A canção é cantada por Eric Idle e também foi ele quem escreveu a letra. Para os mais distraídos, Eric Idle é um dos membros mais influentes, talvez o génio criativo, dos gloriosos Monthy Python.
Por ser apropriada para esta altura do ano, têm que ver directamente no YT.
No vídeo carreguem no link "Ver no YouTube"
Aqui entre nós, eu alinho com Eric 😉
Definitivamente o melhor dia da época de Natal é o dia 26 de Dezembro.
Trip-hop em versão orquestral com uma qualidade de gravação de eleição.
O preto e branco, cheio de gradientes de cinzento, mas em tom ligeiramente escurecido dá um ambiente tremendo a todos o temas do concerto que os belgas Hooverphonic deram no Koningin Elisabethzaal, Antuérpia em 2012.
A voz de Noémie Wolfs é absolutamente cativante. Voz quente, bem controlada e sensual. Algo noir perfeitamente adequada ao tom visual da gravação. Tal como a sua presença em palco. Os arranjos orquestrais são extraordinários, as cordas são sublimes e os sopros bem marcados.
Este concerto foi-me soprado ao ouvido há algum tempo. Ouvi-o várias vezes de uma ponta a outra. Tive dificuldade em escolher um tema favorito, que gostasse de postar. O meu grande dilema foi entre Club Montepulciano, The Night Before, Heart Broken, Vinegar & Salt (a introdução feita pelo piano e violoncelo é belíssima) e Eden.
Por algum motivo desconhecido opto pelo primeiro. Não é bem assim, obviamente.
O baixo de Alex Callier e a guitarra de Rayond Geerts são super texturadas e ouvi-las quando a orquestra está silenciosa é uma delícia. Têm uma sonoridade misteriosa, como se fossem guarda costas. Alguém a abrir a porta para anunciar a entrada em palco da voz envolvente e insinuante de Noémie. As duas assertivas entradas em cena dos trompetes, após os refrões, agarram a nossa atenção com unhas e dentes.
Club Montepulciano foi um exclusivo clube nocturno londrino que esteve aberto entre os anos de 1993 a 2005. Era conhecido por ter uma banda própria e por organizar eventos temáticos com dress code a condizer. Albergava um casino e realizava espectáculos de variedades como cabaret, burlesco e circo.
Se ouvirem as diversas canções deste concerto, e aconselho fortemente a ouvi-lo na totalidade, e compararem com as versões originais, não há uma que seja superior a este concerto.
Deixo os links nos títulos para os outros quatro temas que ficaram para trás 😉
Por último, mas sem ser a última, fica o link da divertida e musicalmente colorida The World is Mine onde a própria orquestra e maestro fazem coro com Noémie Wolfs.
Há muito por onde ouvir, e apreciar, neste incrível concerto ao vivo dos Hooverphonic.
Solsticio de Inverno. Hoje chega a estação mais bonita depois do maravilhoso e poético Outono.
Chega o frio, a neve, as geadas matinais, os troncos a arder nas lareiras e os dias de chuva mais intensos e persistentes.
Os ventos adquirem maior personalidade. As árvores despem-se totalmente, esqueletos cinzentos e misteriosos em dias neblina que cse reflectem nas poças de água no alcatrão ainda mais enegrecido. Os dias alongam-se, a luz cresce relativamente à noite.
Procurei no spotify o que a ECM tinha para me oferecer neste dia. Existe uma playlist adequadamente chamada Deep Winter. São trinta temas que evocam a misteriosa estação que anuncia e faz cair o pano sobre o ano que finda. Decidi portanto escolher uma música desta playlist para o dia de hoje.
Procuro algo que dê aquele toque de branco, de nostalgia, de conforto, de proximidade. Ou, pelo contrário e igualmente belo, um tema gelado que evoque as neblinas estáticas e as manhãs azuladas, os ventos que sacodem a neve acumuladas nas árvores, o minimalismo das paisagens, o frio que faz condensar a respiração e gelar a ponta dos dedos.
Busco um trompete vagaroso, um piano macio, uma guitarra que tange solitária, um violino ou violoncelo dolente e arrastado, um saxofone de notas sustentadas e austeras.
Encontro Husky e Keelwater do trio Lumen Drones - não encontrei os vídeos nem no YT nem no Vimeo - e Trails Crossing de Bjorn Meyer.
A guitarra deste último é perfeita. Misteriosa, enigmática e irrequieta. Etérea e cristalina. Solitária e introspectiva. Leva-nos para as tais paisagens do Inverno gélidas, de atmosferas límpidas e delicadas onde a neve brilha como pequenos diamantes ao ser tocada pela luz tangente do sol baixo do Inverno.
O tema pertence ao álbum Provenance de 2017, onde Bjorn Mayer, músico sueco, toca a solo com guitarra baixo quer eléctrica, quer acústica. O álbum é sublime.
O som atira-nos para o nu jazz e para o jazz de fusão com funk, o que é uma excelente receita para ouvir com grande agrado o EP Azar do pianista e produtor Sérgio Alves, de nome artístico Azar Azar.
Este é o segundo EP do produtor de duplo Azar. O primeiro, de Abril de 2020, foi dedicado aos cinquenta anos de um dos melhores e seminais álbuns de Miles Davis: Bitches Brew.
Neste segundo, com dois temas principais, Space Coconut Conspiracy, Inner World e mais três remixes, escolho o primeiro para este fim de semana onde a fusão do jazz com o funk é mais notória.
Sérgio Alves conta com a colaboração de Manu Idhra (percussão), Bruno Macedo (baixo), Ricardo Danin (bateria) e João Samuel (Saxofone e Flauta).
Para este mês, nos próximos dias, está previsto o lançamento de Cosmic Drops, o primeiro álbum do produtor Azar Azar.
Boçal. Quase três horas de filme sem ritmo no argumento, sem ritmo na realização, sem ritmo na interpretação dos vários personagens.
Muita gente conhecida mas com resultados parcos: Lady Gaga (Patrizia Reggiani), histriónica e perdida, Adam Driver (Maurizio Gucci) muito bem; talvez o melhor na perdição que este filme é; Al Pacino (Aldo Gucci) muito razoável, Jared Leto (Paolo Gucci) caricatural e Salma Hayek (Pina), sem garra. Jeremy Irons faz uma aparição breve mas digna.
A tentativa de ter sotaques italianos por parte dos actores são hilariantes, com um falhanço estrondoso por parte de Lady Gaga (mais parece russo que outra coisa qualquer).
Grandes ingredientes não fazem por si um grande bolo.
De Ridley Scott esperava mais a todos os níveis. Fez um filme bonitinho, provavelmente atrás de óscares, mas não passa disso. Falta-lhe audácia dinâmica e coesão. Um fio condutor sólido que ligue todos os personagens e depois eles a nós.
De facto foi mais pelo realizador - apesar de não ser um seu seguidor fiel - de Blade Runner, Cercados e de O Conselheiro que fui ver o House of Gucci do, que propriamente pelo interesse de conhecer a história desta marca global.
No entanto não deixa de ser curioso, ou talvez não, como a Gucci tenha por detrás de si uma família que mais parece a máfia que outra coisa qualquer. Sabemos que quando poder e dinheiro se juntam raramente algo dá para o certo. A ganância, a luta pelo poder, traição e violência quase sempre estão presentes como se fossem um santíssimo quarteto.
Ter em atenção que House of Gucci é um filme sobre uma história familiar e não sobre as suas origens, estilistas (apesar de Tom Ford ser mencionado nele) ou moda.
Dead Combo foi uma das formações que passou mais vezes pelo palco da Esteira - aqui, aqui e aqui,
O seu som melancólico, algo negro e obscuro sempre me cativou. Uma sonoridade típica que tanto os caracterizava e que às primeiras notas sabíamos logo a quem pertenciam.
Escrevi o parágrafo acima no passado, não só porque eles acabaram, mas porque Pedro Gonçalves, a outra metade e co-fundador, em 2003, juntamente com Tó Trips, dos Dead Combo, morreu no passado dia 4 de Dezembro, consequência de um cancro que o atormentava há três anos. Tinha 51 anos.
Era o guitarrista e contrabaixista (devido à sua formação do jazz) da dupla de músicos. Desempenhava o papel de "gangster" na formação enquanto Tó Trips (vindo do universo do rock) ficava com o papel de "Cangalheiro". Estes dois papeis personalizavam e enquadravam muito bem a música que tocavam.
Pedro Gonçalves colaborou com nomes grandes da música portugues como Mazgani, Sérgio Godinho, Soaked Lamb, Rita Redshoes e Aldina Duarte.
Tinha um lado filantropo. Foi um dos fundadores da União Audiovisual, uma essencial plataforma de apoio aos artistas, músicos e técnicos do sector da cultura que foram particularmente afectados (e que ainda continuam a ser) pela pandemia devido ao cancelamento total de espectáculos culturais.
Dead Combo estreiam-se (muito bem) em 2006 com o trabalho Quando a Alma não é Pequena. Mas é com Lusitânia Playboys (2008), Lisboa Mulata (2011), A Bunch of Meninos (2014) e Odeon Hotel (2018) que se tornaram conhecidos pelo público nacional e internacional.
Devido ao estado de saúde de Pedro, os Dead Combo desfizeram-se em Outubro de 2019. O objectivo era fazerem uma série de concertos, a tour Fim, revisitando a sua música. Devido à pandemia em 2020 e de novo ao estado de saúde do contrabaixista ter piorado boa parte destes concertos foram cancelados.
Por vontade do próprio Pedro Gonçalves, este expressou que não queria cerimónias fúnebres que preferia fosse uma festa. Que fosse aberta a todos: amigos, familiares e a admiradores.
Em África, principalmente na subsaariana há também esta filosofia. Que em vez de chorar a morte de alguém se deve celebrar antes a sua vida e esta celebração é uma festa. Muito longe dos hábitos ocidentais.
Não faz sentido separar Pedro Gonçalves dos Dead Combo, por isso é com um concerto deles ao vivo no Maxime's, em Março de 2017, que proponho uma música para esta semana.
Hoje celebra-se o Dia Internacional dos Direitos dos Homens. Foi estabelecido pelas Nações Unidas pela primeira vez em 1948.
Propositadamente foi decidido no mesmo dia, em 1998, que se celebrasse igualmente o Dia Internacional dos Direitos dos Animais.
Porque eles têm os mesmo direitos que nós, porque partilham o mesmo planeta que nós - há mais tempo - e não têm ninguém que os defenda.
Porque precisam de ser tratados com respeito, com gentileza. Tal como nós procuram conforto, carinho, segurança. Matamo-los, desrespeitamo-los, maltratamo-los e abusamos deles a nosso bel prazer
Vêm os seu habitats, os seus territórios a serem contaminados, devastados, serem diminuídos, a serem confinados em espaços cada vez mais pequenos.
E no entanto os animais, quaisquer que eles sejam, vejo-os mais como ser vivos, têm consciência, sentem dor, sentem emoções, são sencientes, tal como nós. As suas vidas são tão importantes, tão dignas como as nossas. A sua vontade de viver é igual à nossa. Vidas humanas e não humanas são sempre vidas.
Hoje, Dia Internacional dos Direito dos Animais (e do Homem), é um excelente dia para pensarmos que nós humanos também somos animais, também somos seres vivos, e que o que desejamos para nós é o mesmo que eles desejam para si próprios.
Neste dia tenhamos a noção que a distância que existe entre nós e os animais não é tão grande, como nós do alto da nossa distorcida sapiência e chauvinismo, gostamos de pensar e assumir.
Tenho andado algo afastado de Charles Lloyd desde que deixou a ECM e rumou para a Blue Note.
Não é o mesmo saxofonista que tanto admiro e que considero, a par de Paul Desmond e do norueguês Jan Garbarek, um dos melhores saxofonistas de sempre. Daqueles saxofonistas que às primeiras notas ouvidas sabemos logo quem são.
Charles Lloyd na Blue Note, talvez numa nova filosofia de abordagem ao jazz da etiqueta que o acolhe desde 2015. "perdeu" o conceito do belo motto da ECM - "the most beautiful sound next to silence".
Tornou-se (de novo) mais experimental, talvez mais inovativo, até aqui nada a dizer, mas pessoalmente deixou de dar espaço ao silêncio, à reflexão e à instrospecção. Perdeu-se a sua espiritualidade. Algo que apreciava muito em Lloyd na ECM. A excepção está em Passin' Thru, o meu primeiro álbum de Lloyd pela Blue Note.
Tone Poem está longe destas características. O problema maior com esta formação, e já de anteriores álbuns, enquanto Blue Note, está na integração (algo que Mathias Eick consegue na perfeição em When we Leave) do "pedal steel guitar," no som criado pelo quinteto. A questão não está de todo no instrumento, mas na forma como este foi trabalhado na composição dos temas. Diria que na maior parte dos temas que compõem este álbum, a "pedal steel guitar" está descontextualizada, demasiado presente.
Não cria grandes paisagens sonoras ou quando as cria parecem-me excessivas e mal desenhadas. Soa demasiado à hula havaiana.
O que é uma pena, porque o saxofone de Lloyd é igual a ele próprio, a subtil bateria de Eric Harland mal se descortina na barreira que Greg Leisz cria a volta da banda, Frisell fica completamente emaranhado nessa mesma barreira e o contrabaixo de Reuben Rogers parece que não existe.
Este fim de semana tive o Tone Poem em loop no leitor de cds a tentar percebê-lo, descobri-lo e até a tentar gostar dele. Sem muito sucesso. Não porque não seja bom, apenas porque definitivamente não sou adepto do papel desempenhado pela "pedal steel guitar". De facto, tenho uma embirração tremenda com este instrumento neste álbum. Quase uma praga.
O tema que escolho deste álbum, Ay Amor, é bem exemplificativo desse excesso da "pedal stell guitar".
Pelo contrário Prayer é de longe o tema mais bem concebido, capaz de nos levar por altos e suaves voos, onde os instrumentos têm uma voz harmoniosa e bem conduzidos pelo saxofone tenor. O contrabaixo maravilhosamente tocado com arco por Reuben dá-nos a perceber o quanto perdemos pela pouca percepção que temos dele ao longo dos 70 minutos de duração de Tone Poem.
Apesar de o considerar um erro de casting na obra de Charles Lloyd, irei dar ocasionalmente dar tempo de palco na minha sala ao seu mais recente trabalho porque gosto mesmo muito de Charles Lloyd, mas comparando com qualquer dos outros dez álbuns que tenho deste saxofonista de eleição, Tone Poem fica bem abaixo de qualquer um deles.
Tenho saudades de Lloyd quando estava na ECM. E sem preocupações cronológicas ou ordem de preferência de: Mirror, Notes from Big Sur, Canto, Water is Wide, The Call ou Sangam.
"I am sitting in a room different from the one you are in now. I am recording the sound of my speaking voice and I am going to play it back into the room again and again until the resonant frequencies of the room reinforce themselves so that any semblance of my speech, with perhaps the exception of rhythm, is destroyed.
What you will hear then, are the natural resonant frequencies of the room articulated by speech. I regard this activity not so much as a demonstration of a physical fact, but more as a way to smooth out any irregularities my speech might have."
Assim começa I'm Sitting in a Room, a obra pivotal de Alvin Lucier.
Data de 1969 e é o resultado de gravações consecutivas da sua fala sobre ela própria. Há uma gravação original, a primeira que é declamada por si. Depois entra num ciclo de reproduções e gravações sucessivas, uma por cima da outra. É curioso ver como estas gravações sucessivas vão perdendo o "sentido" da sua fala e discurso, vão se degradando, evoluindo, reconstruindo-se de uma forma completamente nova. Uma paisagem sonora abstracta, ressonante e aparentemente amorfa, contudo musical, com certas frequências a tornarem-se "agressivas" enquanto outras se uniformizam-se, se esbatem. A sensação de espacialidade, de volume ocupado mas também de distância, está sempre em crescendo até ao fim deste trabalho.
Como objecto de experimentalismo é fascinante ouvir esta obra.
O MoMA (Modern Museum of Art) de Nova Iorque adquiriu I'm Sitting in a Room para sua colecção de arte sonora.
Aliás, a gravação que proponho para este fim de semana, é realizada numa sala do próprio MoMA.
Alvin Lucier, cuja formação musical de base é a música clássica, é um apreciador de jazz desde jovem. No entanto é com compositores como Merce Cunningham, Karlheinz Stockhausen, John Cage e David Tudor, que sofre e reconhece a influência e a importância que nele tiveram, apesar de depois ter percebido que o seu caminho teria um percurso diferente do deles. Tendo trabalhado com alguns destes nomes, terá sido com os dois últimos que trabalhou de uma forma mais próxima e cuja influência terá sido mais intensa.
O compositor clássico torna-se quase um cientista, um tecnológo, um explorador do som.
Sabe que as temperaturas ambientais, variações do volume do espaço, da acústica, a presença de pessoas, podem influenciar de uma forma determinante o resultado final de uma instalação, de uma paisagem, de uma peça sonora e respectiva gravação. Joga com enorme intuição e mestria essas mesmas variáveis para produzir novos resultados com as mesmas obras.
É isto que acontece com outra obra importante de Lucier, e igualmente reconhecida internacionalmente - Music on a Long Thin Wire - o título diz tudo sobre ela. Tata-se de uma instalação sonora onde um longo e fino fio é esticado ao longo de um determinado espaço, cujo som é captado por microfones quando este é colocado a vibrar.
Lucier escreveu que uma "audição atenta é mais importante que produzir sons."
Para quem ouviu o início de I'm Sitting in a Room, terá certamente reparado que Lucier gaguejou em certos trechos do texto, de facto o seu autor era mesmo gago. São as imperfeições do discurso que menciona no fim do referido texto.
Este compositor norte-americano, um dos mais relevantes experimentalistas e educadores da arte do som, morreu na quinta-feira passada, 02.12.2021, com noventa anos, vítima de uma queda.
Não sendo fácil apreciar, pelo menos num sentido clássico de música, a obra de Alvin Lucier, esta vale a pena ser explorada. Se pensarmos nela menos em termos de música, mas mais na perspectiva de som, de arte e de exploração sonora, que é de facto, ajude.
Então o que seria? A minha vida ou os gatos? Naquele momento, não podia imaginar a minha vida sem o Repolho. Tinham passados quatro anos desde que a mãe morrera. O Repolho estivera sempre ao meu lado. Não podia eliminá-lo. Mas o que eu podia fazer?
Não fosse o título do livro - Se os Gatos Desaparecessem do Mundo - e não o teria comprado.
Mas com um título destes como não o fazer?
Conta a história de um carteiro que vive sozinho, com o seu querido gato Repolho por companhia, a quem de repente lhe é diagnosticado um tumor cerebral inoperável, grau 4, e lhe dão poucos dias de vida. Uma semana, mais concretamente.
Confrontado com a notícia, o carteiro de trinta anos decide fazer a habitual lista das últimas coisas a fazer antes de morrer.
É nesta altura que o Diabo surge e lhe propõe um negócio algo bizarro: por cada coisa que o carteiro fizer desaparecer do mundo, este ganha mais um dia de vida.
Pensando que pode fazer desaparecer pequenas e inocentes coisas e com isso ganhar dias de vida até chegar a velho, o jovem aceita. Tratando-se do Diabo, naturalmente que a proposta feita não é tão inocente quanto isso. No entanto, dia a dia, uma a uma, o carteiro vai aceitando as propostas do Diabo, até que chega a um ponto em que percebe que há limites que não podem ser pisados.
Com base nesta proposta diabólica, claramente de inspiração faustiana, o autor deste romance, o japonês Genki Kawamura, leva-nos a reflectir sobre a morte, a perda e o relacionamento pessoal, a importância da reconciliação, sobre a relativização da relevância que damos aos objectos.
De leitura escorreita e fácil, o livro lê-se de rajada, uma tarde de sábado no meu caso. Coloca-nos sem dificuldade na pele do carteiro e leva-nos a pensar que faríamos, que decidiríamos, se estivéssemos na sua situação.
Apesar de o título ser particularmente atraentes para "gateiros", o que explica o sucesso que teve no Japão, país que tem uma relação muito especial com os pequenos felinos, reduzir este livro só para esta pessoas é um profundo erro.
Se eu morrer novo, Sem poder publicar livro nenhum, Sem ver a cara que têm os meus versos em letra impressa Peço que, se se quiserem ralar por minha causa, Que não se ralem. Se assim aconteceu, assim está certo.
Mesmo que os meus versos nunca sejam impressos, Eles lá terão a sua beleza, se forem belos. Mas eles não podem ser belos e ficar por imprimir, Porque as raízes podem estar debaixo da terra Mas as flores florescem ao ar livre e à vista. Tem que ser assim por força. Nada o pode impedir.
Se eu morrer muito novo, oiçam isto: Nunca fui senão uma criança que brincava. Fui gentio como o sol e a água, De uma religião universal que só os homens não têm. Fui feliz porque não pedi coisa nenhuma, Nem procurei achar nada, Nem achei que houvesse mais explicação Que a palavra explicação não ter sentido nenhum.
Não desejei senão estar ao sol ou à chuva - Ao sol quando havia sol E à chuva quando estava chovendo (E nunca a outra coisa), Sentir calor e frio e vento, E não ir mais longe.
Uma vez amei, julguei que me amariam, Mas não fui amado. Não fui amado pela única grande razão - Porque não tinha que ser.
Consolei-me voltando ao sol e à chuva, E sentando-me outra vez à porta de casa. Os campos, afinal, não são tão verdes para os que são amados Como para os que o não são. Sentir é estar distraído.
Fernando Pessoa (07.11.1915)
Incrivelmente, Fernando Pessoa morre sem fazer a mínima ideia saber o que se iria tornar no futuro, a relevância que teria no mundo das letras, a universalidade que atingiu.
Morre quase anónimo, apenas com um livro publicado em vida - Mensagem
Tanzaniano, com um nome algo estranho para um ocidental: Farrokh Bulsara. Para o mundo inteiro ele é Freddie Mercury. Nasce em Zanzibar, Tanzânia, na altura parte do império britânico, e muda-se para Londres aos dezassete anos fugindo da guerra civil de 1964.
Antes da sua ida para Inglaterra, em 1955 vai para Índia, onde esteve até 1963 a estudar numa escola particular começando a sua formação musical.
Nesta altura, com apenas doze anos Freddie Mercury forma a sua primeira banda, The Ectics.
Tira o curso de Design Gráfico em 1969. No entanto não conseguindo estabilizar-se salta de emprego em emprego chegando a trabalhar no aeroporto de Heathrow com bagagens.
Em 1970 junta-se aos Smile após o vocalista ter deixado esta banda. Dela faziam parte o guitarrista Brian May e o baterista Roger Taylor. Quando no ano seguinte se junta o baixista Roger Deacon que surge a provavelmente a maior banda da história da música e do rock'n roll: The Queen. Nesta altura Freddie completa o seu nome artístico adicionando ao seu nome inicial Mercury
É em 1973 que os Queen lançam o seu primeiro e homónimo álbum: Queen. Os álbuns sucedem-se e somam-se os êxitos. As composições; os arranjos musicais frequentemente misturando com extremo sucesso géneros musicais tão diferentes entre si como ópera, flamengo, rock n roll, pop ou heavy metal; e letras, frequentemente complexas, tornam os Queen uma referência absoluta até aos dias de hoje.
Tocam no Live Aid em Julho de 1985 no estádio de Wembley completamente esgotado. Estima-se que estiverem presentes 72000 pessoas a assistir ao concerto. A sua actuação é considerada a melhor e a mais electrizante de todo o Live do Aid. A performance da banda, e particularmente do seu vocalista, é intensa, absolutamente dedicada à música, ao palco e ao público. Um actuação maior que a vida, como usual nele. A interacção, o diálogo de Freddie Mercury com o público é apaixonada e memorável.
O single Barcelona, gravado em 1987 com Montserrat Caballé, seria o hino de abertura dos Jogos Olímpicos de Barcelona de 1992 onde os dois cantariam juntos. Apesar de terem actuado juntos anteriormente, esta actuação em particular não aconteceria por morte de Freddie no ano anterior.
Um ano antes, em 1986, da gravação de Barcelona, é-lhe diagnosticado SIDA. A sua morte, uma bronco-pneumonia consequência da doença que o vitimava, tirou a SIDA da sombra e do forte estigma social e religioso em que na altura estava mergulhada, para ser abertamente falada, discutida e pesquisada.
Apesar de ser conhecido como homossexual, Freddie Mercury era bissexual sem no entanto o assumir publicamente. É com Mary Austin, que percebe o dilema sexual que o cantor vivia, que tem o seu maior e duradouro relacionamento amoroso: sete anos. O cantor dedica-lhe um dos temas mais universais dos Queen, Love of My Life.
Freddie nunca anuncia publicamente a sua doença e apenas o faz um dia antes da sua morte. James Hutton, cabeleireiro irlandês, a sua última relação, está ao seu lado quando Freddie Mercury morre em sua casa.
Innuendo, editado em 1991, o último álbum onde a banda toca completa, marca a despedida de Freddie Mercury. Fisicamente já não é o cantor que todos conhecemos e que tanto gostamos. Está em fase terminal. Sabe que a morte se aproxima, que são as suas últimas músicas. Está frágil, emagrecido, menos pujante, mas ainda assim cheio de dignidade e talento. A meses de morrer a sua voz continua poderosa, inigualável e a sua paixão e compromisso para com a música é total. Até ao fim.
Escolho These Are the Days of Our Lives. É o último vídeo de Freddie Mercury em vida. Cativa-me profundamente. Há uma doçura e ternura imensa nesta canção. Um fazer as pazes com a vida, um reconhecer que o que já passou não volta, mas que o que aconteceu também foi bom. Na camisa que veste está bem presente um dos seus grandes amores ao longo de toda a sua vida: os gatos. Chegou a ter dez. Em Innuendo dedica uma faixa a Delilah, a sua gata preferida.
Se este foi o último vídeo de Mercury, a sua última canção foi Mother Love que surge, a título póstumo em Made in Heaven, lançado em 1995.
Freddie Mercury partiu há trinta anos, com 45 anos, em 24 de Novembro de 1991.
Boa viagem pela eternidade.
Bom fim de semana 🎤🎸
Sometimes I get the feelin'
I was back in the old dayslong ago
When we were kids when we were young
Things seemed so perfect - you know
The days were endless we were crazy we were young
The sun was always shinin'
We just lived for fun
Sometimes it seems like lately
I just don't know
The rest of my life's been just a show
Those were the days of our lives
The bad things in life were so few
Those days are all gone now but one thing is true
When I look and I find I still love you
You can't turn back the clock you can't turn back the tide
Ain't that a shame
I'd like to go back one time on a roller coaster ride
When life was just a game
No use in sitting and thinkin' on what you did
When you can lay back and enjoy it through your kids
Sometimes it seems like lately
I just don't know
Better sit back and go with the flow
Cos these are the days of our lives
They've flown in the swiftness of time
These days are all gone now but some things remain
When I look and I find no change
Those were the days of our lives, yeah
The bad things in life were so few
Those days are all gone now but one thing's still true
Adoro esta curta banda desenhada. Ajuda a desmistificar os gatos pretos.
É um facto que têm taxas de adoptabilidade mais baixas que os outros. A ideia que trazem azar infelizmente ainda está enraizada entre nós. Vem desde a idade média e da sua associação às bruxas e mantém-se até aos dias de hoje.
A possibilidade de na altura do Halloween, e nas proximidades das sextas 13, os gatos pretos serem usados, sacrificados em cultos satânicos ou em rituais de magia negra, leva a que estes corram sérios riscos de vida. As associações que os recolhem e os protegem evitam a sua adopção nestes dias.
Tratei de um gato preto na minha rua durante vários anos e sempre temi por ele nesses tais dias.
Vê-lo nos dias a seguir era um tremendo alívio para mim.
Desde o início deste ano, em Fevereiro, quando perdi o meu gato cego Ulisses, eu adoptei-o. Agora vive em minha casa, protegido do calor excessivo, do frio intenso, da chuva desagradável, de maus tratos e lutas contra outros gatos. Chamei-o Kuro, preto em japonês. É o meu segundo gato preto. O meu anterior, Mahler, partiu há três anos. Tal como Mahler, Kuro tem uma ligação muito especial, um grande carinho e preocupação por mim desde os seus tempos de rua.
De toda a casa, o seu lugar preferido é o meu colo. À noite, dorme bem encostado, junto à minha cabeça e ao meu rosto. Frequentemente sinto os seus bigodes no meu rosto. Tê-lo comigo transmite-me segurança. Não porque esteja atento aos ruídos da casa, que está, mas acima de tudo porque está atento a mim. Tal como o Miles e a Alma.
Vejo-o(s) perfeitamente a defender(em)-me de um pesadelo, de um demónio como o gato preto da banda desenhada deste post. O folclore, as lendas, atribuem aos gatos, qualquer que seja a sua cor e padrão, uma aura mística, de guardiões, protectores do além, que afastam e dissipam as más energias. Acredito, não porque de facto acredite, que não, mas porque gosto de acreditar. Porque é nobre. Como eles.
Voltando aos gatos pretos, sei que eles são particularmente especiais. Além de serem lindíssimos, ternos e terem em si essa aura de mística, de mistério, são gatos que formam ligações particularmente fortes com os seus tutores. São gatos que em vez de serem os últimos a serem adoptados e escolhidos nos abrigos e gatis, deveriam dos primeiros, sendo eles gatinhos ou adultos, Como no caso do Mahler e do Kuro, ambos já adultos quando as nossas vidas se cruzaram.
Tal como de gatos pretos, gosto imenso desta banda desenhada.
A ideia é tão simples quanto de boa. Pegar nas cerca de quinhentas (!!!) canções que o músico e compositor Tozé Brito, actualmente com 70 anos, escreveu nos últimos cinquenta anos, pedir ao mesmo que escolha setenta delas e depois por sua vez pedir a catorze músicos que escolham uma e cuja tarefa é reinventá-las, desconstruí-las e finalmente editar em disco. Existindo duetos, o número final de músicas foram doze.
Camané, Samuel Úria, António Zambujo, Selma Uamusse e Catarina Salinas dos Best Youth, foram alguns dos escolhidos.
O resultado, ideia original de Inês Meneses e actual companheira do compositor, chama-se Tozé Brito (de) Novo. A produção e os arranjos musicais ficaram sob responsabilidade de Benjamim e João Correia. O disco foi para as prateleiras há pouco mais de uma semana, no dia 12 de Novembro.
Não por acaso, coloquei em primeiro lugar da lista de cantores, aquele que mais aprecio para dar voz a uma música para o fim de semana: Camané.
Talvez por acaso, este fadista, pessoalmente o melhor de todos, escolheu uma das músicas que mais aprecio de Tozé Brito - Retalhos. Esta canção inspirada no livro de Fernando Namora com o mesmo título, Retalhos da Vida de um Médico, foi popularizada por outro grande fadista, Carlos do Carmo.
É trocar um grande fadista por um enorme fadista. Prefiro de longe o original.
18 de Outubro de 1991. Dois anos após a queda do Muro de Berlim. A Europa estava inquieta com as profundas mudanças que estavam ainda acontecer no seu âmago, na Alemanha.
Os U2 em 1987 tinham lançado Joshua Tree, na linha dos anteriores álbuns, que levou a banda irlandesa para a estratosfera em termos de reconhecimento.
O álbum seguinte, Rattle and Hum foi mal recebido pela crítica, não tanto pelo público, mas mesmo assim os U2 tremeram. Sentiram que corriam o sério risco de estagnar o seu som num momento em que a música e o mundo estavam a passar por uma revolução, sentiam que precisavam de fazer algo diferente.
A solução passou pela reinvenção do som da banda e assim surge, em associação com o produtor Brian Eno, Achtung Baby (achtung, atenção em alemão).
Um som menos pop, mais disco, mais industrial, por vezes psicadélico. As suas letras tornam-se mais de intervenção, mais pertinentes e assertivas.
Temas como One, Misterious Ways, Who's Gonna Ride your Wild Horses tornaram-se hinos universais dos U2. Hoje faz trinta anos que este álbum foi editado.
Não sou particularmente fã de U2 mas há que reconhecer a importância pivotal de Achtung Baby na discografia da banda e no panorama da música em geral. Trinta anos depois a sua importância não está diminuída, pelo contrário, ainda soa a novo.
Nestas três décadas do sétimo álbum dos U2, fujo aos seus clássicos e prefiro The Fly. Talvez o mais "estranho" dele, onde o psicadelismo, as distorções, riffs e o experimentalismo de Achtung Baby estão mais presentes.
Parabéns U2.
It's no secret that the stars are falling from the sky
It's no secret that our world is in darkness tonight.
They say the sun is sometimes eclipsed by the moon
Y' know I don't see you when she walks in the room
It's no secret that a friend is someone who lets you help.
It's no secret that a liar won't believe anyone else.
They say a secret is something you tell one other person
So I'm telling you, child
Love, we shine like a burning star
We're falling from the sky
A man will beg
A man will crawl
On the sheer face of love
Like a fly on a wall
It's no secret at all
It's no secret that a conscience can sometimes be a pest
It's no secret ambition bites the nails of success
Every artist is a cannibal, every poet is a thief
All kill their inspiration and sing about the grief
Love, we shine like a burning star
We're falling from the sky
A man will rise
A man will fall
From the sheer face of love
Like a fly from a wall
It's no secret at all
Love, we shine like a burning star
We're falling from the sky tonight
Love, we shine like a burning star
We're falling from the sky
A man will rise
A man will fall
From the sheer face of love
Like a fly from a wall
It's no secret at all
It's no secret that the stars are falling from the sky
No que se trata de música, acontece-me frequentemente fazer grandes descobertas.
Quando refiro "grandes descobertas" pretendo dizer algo que me marca profundamente, algo que me impacta, que ficará sempre na minha memória, que fará parte de mim. No que se trata de música, acontece-me frequentemente fazer essas tais grandes descobertas. Quase sempre elas acontecem naquela que foi a minha primeira paixão, o meu primeiro amor musical, e diz-se que não há amor como o primeiro, a música clássica. Tchaikovsky, Beethoven, Mahler, Chopin, Pärt, são algumas, entre outras, dessas descobertas que degeneraram sempre em paixão por estes nomes. São nomes cujas obras recorro frequentemente em diversas ocasiões, quer sejam nas melhores ou nas piores delas. Usualmente nas piores. Ou seja, tendo a ouvi-las não raras vezes.
Há uns dias, fiz uma dessas descobertas: ouvi pela primeira vez a 3ª sinfonia do polaco Henryk Górecki. Atingiu-me em cheio. Fiquei siderado pela sua beleza, pela sua tristeza, pela sua austeridade. Pelo tom quente e espiritual desta sinfonia. Pura poesia. O nome pela qual é conhecida atira precisamente para esses estados de alma- Sinfonia das Canções Tristes, também conhecida pela Sinfonia das Lamentações. São três canções que evocam a maternidade e a perda de um filho.
Ao contrário do que é usual numa sinfonia, quatro movimentos, a terceira de Górecki tem três. Cada um deles representa uma canção, um episódio dessa perda, dessa despedida maternal.
O primeiro movimento representa Nossa Senhora, a mãe, aos pés da cruz chorando a morte do seu filho, Jesus Cristo. O segundo movimento baseia-se numa inscrição de uma filha, Helena Wanda Błażusiakowna de dezoito anos, para a sua mãe, encontrada numa parede de uma prisão Gestapo em Zakopane - "No, Mother. Do not weep. Most chaste Queen of Heaven, support me always. Ave Maria." O terceiro e último movimento é baseado numa canção do folclore polaco, onde também uma mãe chora a perda, enquanto procura o seu túmulo, de um filho morto durante a guerra da Silésia em 1919.
A sinfonia, tocada pela primeira vez em 1977, é de uma beleza inacreditável.
Górecki em 1995, durante uma entrevista à rádio norte-americana NPR, leu ao vivo uma carta de uma menina sueca de 14 anos, vítima de queimaduras severas durante um incêndio em sua casa onde perdeu a mãe, a dizer-lhe que a sua sinfonia tinha sido o grande motivo para ela viver. Isto diz tudo acerca do poder desta obra prima da música clássica contemporânea.
A pungência do terceiro movimento, é especialmente densa e tangível. Um assombro.
O texto que canta no terceiro movimento é dolorosamente belo:
Where has he gone
My dearest son?
Perhaps during the uprising
The cruel enemy killed him
Ah, you bad people
In the name of God, the most Holy,
Tell me, why did you kill
My son?
Never again
Will I have his support
Even if I cry
My old eyes out
Were my bitter tears
to create another River Oder
They would not restore to life
My son
He lies in his grave
and I know not where
Though I keep asking people
Everywhere
Perhaps the poor child
Lies in a rough ditch
and instead he could have been
lying in his warm bed
Oh, sing for him
God's little song-birds
Since his mother
Cannot find him
And you, God's little flowers
May you blossom all around
So that my son
May sleep happily
Sobre o sucesso e o impacto que esta sinfonia teve no público, bem mais que nos críticos na altura da sua estreia, Henryk Gorecki afirmou:
"Talvez as pessoas encontrem algo que precisam nesta peça musical.
De alguma forma toquei na nota certa, algo que tenham sentido que estava em falta."
Ouçam esta sinfonia pelo menos uma única vez. Fiquem a saber que ela existe.
Dêem-lhe a oportunidade tocar a vossa alma, de ser a vossa grande descoberta 🙂
Façam-no através da gravação da etiqueta Nonesuch com a Sinfonietta de Londres, dirigida por David Zinman e com a voz da soprano Dawn Upshaw. Ou seja, exactamente a gravação que é apresentada aqui.
Por esta altura já ouvi outras gravações, com outras sopranos a cantarem estas três canções mas nenhuma tem a doçura, o tom quente e glorioso de Upshaw e a delicadeza da direcção de Zinman.
Os animais foram inacabados, longos de cauda, tristes de cabeça. pouco a pouco foram-se formando, tornando-se paisagem, adquirindo sinais, graça, voo. O gato, só o gato apareceu completo e orgulhoso: nasceu completamente terminado, anda sozinho e sabe o que quer.
O homem quer ser peixe e pássaro,
a serpente gostaria de ter asas, o cão é um leão confuso, o engenheiro quer ser poeta, a mosca estuda para andorinha, o poeta trata de imitar a mosca, mas o gato quer ser somente gato e todo o gato é gato desde o bigode ao rabo, desde pressentimento a ratazana viva, desde a noite escura até aos seus olhos de ouro.
Não há unidade como ele, não tem a lua nem a flor tal contextura: é uma coisa única como o sol ou o topázio, e a elástica linha em seu contorno é firme e subtil como a linha da proa de uma nave. Seus olhos amarelos deixaram uma única ranhura para lançar as moedas da noite.
Oh pequeno imperador sem orbe, conquistador sem pátria, mínimo tigre de salão, nupcial sultão do céu, das telhas eróticas, o vento do amor na tempestade reclamas quando passas e pousas quatro pés delicados no chão, cheirando, desconfiando de tudo o que é terrestre, porque tudo é imundo para o imaculado pé do gato.
Oh fera independente da casa, arrogante vestígio da noite, preguiçoso, ginástico e alheio, profundíssimo gato, polícia secreta das habitações insígnia de um veludo já desaparecido, certamente não há enigma nesse teu modo, não és talvez mistério, todo o mundo te conhece e tu pertences ao habitante menos misterioso, talvez todos o creiam, todos se creiam donos, proprietários, tios, de gatos, companheiros, colegas, discípulos ou amigos do seu gato.
Eu não. Eu não concordo. Eu não conheço o gato. Eu tudo sei, a vida e seu arquipélago, o mar e a cidade incalculável, a botânica, o gineceu com seus extravios, o por e o menos da matemática, as depressões vulcânicas do mundo, a pele irreal do crocodilo, a bondade ignorada do bombeiro, o atavismo azul do sacerdote, mas não posso decifrar um gato. Minha razão resvalou na sua indiferença, têm seus olhos números de ouro.
Foi redigido um documento final que obteve mais consenso que o acordo dos países participantes.
Foram atingidos compromissos importantes mas as energias fósseis, para infelicidade do planeta (e nossa), vão permanecer quase inatingíveis. Elas vão-se manter no "activo" nas próximas décadas.
O combate à desflorestação também não foi plenamente atingida, e neste triste campo está o Brasil numa posição de destaque em que ano após ano destrói sistematicamente a floresta amazónica e que, não inocentemente, optou por estar ausente da cimeira do clima deste ano.
Um dos objectivos da cimeira do clima que acabou ontem era manter até ao final deste século, a subida da temperatura global do planeta relativamente à era pré-industrial em 1.5ºC. Foi esse o grande propósito dos acordos de Paris em 2015. No entanto, passados seis anos, se a actividade humana permanecer tal como está neste momento esse aumento de temperatura chegará aos 2.7ºC. Paris, está portanto a falhar os seus objectivos. 2.7 é demasiadamente próximo dos 3ºC. Agora, qual é a importância desta meta que ninguém quer que se atinja?
Se o nosso planeta até ao ano 2100 subisse três graus relativamente à sua média global dos tempos pré-industriais seria o que vídeo que a Economist documentou que a Humanidade enfrentaria.
Infelizmente alguns destes sinais já estão a acontecer. A secas extremas, inundações costeiras e o "afundar" dos países com cotas mais baixas relativamente ao nível do mar é uma realidade de há alguns anos.
Fiji, Tuvalu, Kiribati, Bangladesh e as ilhas Salomão estão a sofrer em primeira mão os efeitos das alterações climáticas. Comunidades destes países estão já a deslocar campos de cultivo e aldeias para fugirem às zonas inundadas pelo mar. Isto é tão sério que já foi instituído a figura do refugiado climático.
Se há países em África já estão a sofrer ondas de calor de secas prolongadas, outros há, como os países do Corno de África em que as chuvas intensas estão causar o caos nas populações. Moçambique e Madagascar estão debaixo dos efeitos de tufões tropicais de categorias mais elevadas e logo mais destrutivos.
Países como a Índia - ironicamente um dos países que pretende continuar a usar combustíveis fósseis, e que tem níveis de poluíção atmosférica altíssimos, tem como objectivo atingir a neutralidade carbónica apenas em 2070 - ou a Indonésia, entre outros países asiáticos, estão a sentir na pele o aumentar a intensidade das monções com efeitos devastadores sobre as populações. A Europa está a enfrentar com uma frequência cada vez maior os efeitos de prolongadas e severas ondas de calor e de frio. Os fenómenos meteorológicos extremos são cada vez frequentes e com consequências cada vez piores.
Isto sem mencionar a perda, cada vez mais acelerada de biodiversidade e da incapacidade do planeta em sustentar a vida marinha e terrestre e logo a nossa própria.
Uma subida média de três graus da temperatura global do planeta até ao final do século é algo que não queremos que aconteça. Tudo o que já está acontecer neste momento irá potencialmente aumentar em área, em consequência, ferocidade e em rapidez. Estamos mais próximos do que nunca desse valor. São os tais 2.7ºC previstos no final deste século. Inacreditavelmente, e especialmente ao nível dos decisores políticos, todos sabem o que é preciso fazer para que se atinjam os desejados 1.5ºC. Egoisticamente os maiores poluidores do mundo, não estão fazer, ou estão a bloquear, o que imperativamente e urgentemente tem que ser feito.
No fim, ninguém, qualquer que seja a zona geográfica do planeta considerada, se sai bem ou fica bem numa situação destas. Ninguém!