Uma grande fotografia, para além da sua técnica tem que nos
contar uma história. Despertar emoções, fazer-nos pensar, rir, chorar e questionar o momento para qual olhamos.
Recentemente dei de caras com uma fotografia (a que encabeça este post) do fotógrafo italiano Tommaso Ausili publicada na revista de fotografia "O Mundo da Fotografia Digital", edição de Junho deste ano.
Esta fez-me pensar mesmo muito e fez levantar a velha questão se os animais têm ou não têm alma, se têm percepção da morte ou da sua proximidade.
Admitindo que se existir alma e se os Homens a tiverem, então os animais também a terão e o mesmo se aplica para a questão da morte.
Qualquer pessoa que lide com um animal diariamente dirá isso sem hesitar.
As fotografias de Tommaso Ausili que compõem o seu trabalho Hidden Death, tiradas num matadouro italiano, mostram esse sentimento. Facilmente nos transferimos para as fotografias, humanizamo-las. Identificamos no olhar dos animais o seu desespero, o medo e o stress daquilo que se aproxima. O seu fim.
Mostra igualmente a tortura, a face macabra e fria da morte em grande escala nos matadouros, a sua industrialização.
Quando temos à nossa frente um prato de carne, ou vemos num supermercado as embalagens de carne limpas e bem ordenadas numa prateleira certamente que serão muito raras as vezes que nos questionamos como é que aquela embalagem ou prato de carne chega à nossa frente ou o que está por detrás.
Agora com este trabalho fotográfico de Tommaso Ausili sabemos, e isso é muito desconfortável.
Poucos saberão isto, mas um porco num matadouro enquanto espera no seu corredor de morte, stressa. Sente o que se passa lá à frente, sente a agitação da morte. E esse stress é visível. No momento da sua morte a carne é bastante menos rosada, devido à diminuição de hemoglobina causada pela ansiedade do animal.
A carne tem que ser tingida, tem que ser colorida posteriormente através de um corante (por exemplo hemoglobina em pó) para que o consumidor não note a sua palidez.
Mesmo o processo de condução do animal (mamíferos ou não) até ao instante final, é cruel. Frequententente os trabalhadores dos matadouros maltratam o animal durante o percurso e deixam o trabalho de atordoamento ou mesmo de morte incompleto. O animal, ignorado, fica agonizando algum tempo até que a morte chegue.
Na verdade, o sofrimento destes animais inicia-se logo durante a sua criação. São locais de elevada densidade animal, sem luz, sem arejamento, compactados e quase incapazes de se movimentarem. O carregamento dos animais para o transporte é feito violentamente, com agressões, assim como a chegada aos matadouros e respectiva entrada nos corredores da morte.
Na altura da entrega do prémio Sony World Photography Awards 2010, concurso que ganhou com a referida fotografia, Tommaso Ausili declarou:
"No corredor da morte, percorrendo os últimos passos que levam à chamada armadilha, os animais parecem estar conscientes do seu destino iminente. O cheiro da morte está no ar, o medo se espalha entre os animais à espera da sua vez, à medida que eles vêem o animal que está à sua frente desaparecer por detrás deu uma porta de ferro. Os guinchos de terror e o desesperado bater das patas são um sinal inequívoco de que, mesmo para os animais irracionais, uma vez atravessada aquela porta, nenhuma criatura sai viva”.
Não advogo que se passe a praticar alimentação vegetariana com base no argumento da defesa da vida do animal, porque desconhecemos se os vegetais (igualmente seres vivos) também não terão mecanismos de dor e sensação da proximidade da morte. Ou se o acto de os cortar ou arrancar da terra não será igualmente um acto de sofrimento para os mesmos.
Mas claramente advogo e anseio por uma maior respeito pelo animal, pela dignidade da sua morte e pela humanização do seu sacrifício por nós, seres humanos.
A primeira fotografia foi a vencedora do concurso Sony World Photography Awards 2010, ganho pelo fotógrafo italiano Tommaso Ausili, as restantes pertencem à série "Hidden Death" (Morte Oculta) do mesmo fotógrafo.