Os primeiros segundos de 7/4 não são particularmente positivos: eles soam a música de elevador.
Mas rapidamente caiem por terra e a continuação logo torna absurda esta comparação.
Há um rendilhado, uma textura e dinâmica muito grande nesta música. E a aparente simplicidade que os sucessivos ciclos de guitarra conferem ao tema tornam-o verdadeiramente atraente.
Dois instrumentos, uma guitarra e uma bateria, bastam para tornar 7/4 um dos temas mais fortes do álbum homónimo do duo das Caldas da Rainha, Miguel Nicolau e Marco Franco.
Um outro grande trunfo desta música para além do que se ouve, é o que se vê.
O vídeo foi pensado propositadamente para a música, para a visualizar. A coreografia mostra aos nossos olhos o que os ouvidos reconhecem. A tal textura e o rendilhado, e até a simplicidade enganadora está presente e o resultado não podia deixar de ser atraente, claro.
A música é dos Memória de Peixe e a coreógrafa chama-se Madalena Xavier.
Sempre que o tema do sagrado foi abordado por Martin Scorsese, este fê-lo em grande.
Não tanto ao nível das produções, mas sim ao nível mais profundo do filme, o ser humano e a sua relação com a religião.
Em 1988, Scorsese apresenta-nos A Última Tentação de Cristo, onde o realizador norte-americano mostra um Jesus Cristo humano, que deseja ter uma vida normal, que cede às tentações, que tem vontade de ter uma mulher e quando crucificado na cruz, rejeita a dor excruciante que esta lhe provoca.
Kundum, de 1997, foi a segunda incursão na religião. Desta vez na budista. Relata a história de Dalai Lama desde tenra idade, até ao momento em que este tem que fugir para Índia (Dharamsala) após a invasão cruel e destrutiva, em 1959, que ainda hoje ocorre, do país soberano do Tibete.
Seguimos o percurso intelectual, as convicções, o dilema do ficar no Tibete ou exilar-se e o quanto esta escolha o atormenta.
Em Silêncio, apresenta-nos o dilema verídico que dois padres jesuítas portugueses vivenciaram no Japão, no século XVII. Ou apostatam, negando a religião cristão, ou a perda de vidas cristãs prossegue até que tal aconteça.
Mas dá-nos uma perspectiva do lado oposto. A religião do Japão, budista, que é invadida e desrespeitada, por estes dois padres que iniciam um processo de conversão ao cristianismo sem terem a noção que estão em pleno choque cultural e religioso com o Japão.
Esta defesa é feita violenta e cerebralmente feita pelo sádico Inoue (Issei Ogata), de sorriso malicioso quase permanente e de voz untuosa e irritante, velho samurai,
Este prefere usar a tortura psicológica sobre os padres jesuítas, aplicando-a fisicamente em cristãos, do que exercê-la directamente nos jesuítas.
Dois senãos em Silêncio, o título remete para o silêncio de Deus face à angustia dos padres jesuítas perante o dilema que enfrentam: a duração algo excessiva (duas horas e quarenta) do filme e os actores Andrew Garfield (padre Rodrigues), Liam Neeson (padre Ferreira) e Adam Driver (padre Garupe) que verdadeiramente não conseguem convencer-nos no desempenhos suas personagens.
Particularmente Andrew Garfield cujo cabelo está sempre, ou quase sempre imaculado e arranjadinho.
Realização é eficaz e contida, sem exuberância, mas com a mão segura de um grande, grande mestre do cinema actual.