Não é o dia 21 de Junho, não é a temperatura a subir, a praia, os dias a ficarem mais longos ou as cervejas nas esplanadas.
É quando os vejo que sinto que o verão chegou verdadeiramente. Umas vezes de manhã, por volta das oito e qualquer coisa, outras à tarde, pouco depois das sete da tarde.
Ele é alto e magro. Veste usualmente uma camisa axadrezada e um boné de pala a fazer lembrar os alentejanos.
Tem óculos, um bigode grisalho, quase todo branco. Por vezes usa um pequeno casaco sobre os ombros com as mangas a caírem sobre o peito. A mão direita cai a direito sobre o corpo, por vezes está dentro do bolso das calças.
Anda pacientemente devagar, mas com passos ligeiros e ágeis.
Ela é bastante mais pequena. Mal lhe chega aos ombros. Na cabeça usa sempre um panamá branco. Curvada, anda com dificuldade e com pequenos passos inseguros. Cada pé é colocado à frente do outro pacientemente. Tem as pernas canejas e o seu olhar está sempre cravado no chão.
A sua mão direita agarra a mão esquerda do seu companheiro enquanto que a esquerda está sempre apoiada na anca como se buscasse um apoio para descansar o peso dos anos.
Por vezes vejo-a sentada a descansar no murete de blocos de cimento que separa a ciclovia de cor de tijolo do asfalto cinzento da estrada enquanto ele fica pacientemente na sua frente em pé sem lhe largar a mão.
Não sei que idade terão. Mas a sua vida já vai longa e pesa no corpo. Alegro-me sempre que os revejo juntos.
Sinto uma ternura e uma admiração imensa quando os vejo e tenho uma grande vontade de lhes dizer isso mesmo. Sei que não farei isso porque não tenho tempo e à vontade para o fazer.
São dois tempos que estão presentes e antagónicos quando passo por eles. O deles e o meu.
O deles, lento, marcado ao ritmo de um pé à frente do outro. É o tempo de ver as árvores à sua volta, de ver as folhas caídas no chão, de ouvir o seu restolhar quando pisadas, de ver o céu azul, de ver as nuvens a passar por cima deles. É o tempo de quem sabe que tem pouco tempo e por isso sabem que têm tempo para apreciar o pouco que terão disponível.
Ignoram e estão indiferentes ao correr do meu tempo. O tempo de não ter tempo.
O meu tempo é o tempo do relógio, das reuniões marcadas da manhã, dos telefonemas por fazer, dos mails por mandar, das explicações que têm que ser dadas.
É o tempo de quem quer fugir ao trânsito, para não perder o pouco tempo que tenho para não chegar atrasado ao trabalho ou de chegar a tempo a algum lado.
Nestas coisas de tempos, o casal de velhos bate-me por ko. Eles sabem o que fazer, como partilhar e dispor do seu tempo. São eles que o gerem e não são geridos, perseguidos e consumidos por ele.
Quando o verão acaba e deixo de os ver, durante um ano sinto uma ansiedade quase dolorosa sem saber se os reverei no verão seguinte.
Preciso de os ver juntos para não me esquecer de me equilibrar, de melhorar e de me tornar mais sensato ao assistir como unidos partilham o seu precioso tempo e o seu lento passar por mim. Precisamente o oposto quando eu rapidamente passo por eles.
Há algum tempo que tencionava escrever sobre eles. Ontem quando os voltei a ver juntos e de mão dada decidi que era altura de o fazer, de não perder mais tempo.
Foi uma questão de juntar o tempo deles, enquanto ainda o têm, ao meu tempo.
J