A da Ucrânia foi um choque. Como um país, Rússia, pode invadir outro, a Ucrânia, considerando que tem o direito a reaver a história passada? Interferindo, condicionando as suas escolhas, no caminho que um terceiro quer percorrer?
Mostrando um desrespeito, um desprezo, que até ao momento só tinha visto em documentários, ou em livros, pela vida humana. Hospitais, maternidades, centros comerciais, estações de comboio, etc..., etc...
O ocidente promete-lhes apoio, que até chega, mas tarde, em quantidades insuficientes. O ocidente está preso, refém da manipulação psicológica. permanente da ameaça de uma guerra atómica por parte Rússia.
Actuam tardiamente e os seus discursos são feitos em bicos de pés para não ofender a Rússia e não perturbar, não acordar (excessivamente) o outro gigante, a China.
A guerra de Israel contra o Hamas, teve repercussões pessoais incomparavelmente maiores quando comparadas com a guerra da Ucrânia.
É uma guerra, neste momento tenho dificuldade em chamar-lhe guerra, mas sim genocídio dada a amplitude, a desproporção da resposta, direito à defesa chamam-lhe cinicamente os líderes ocidentais.
Em duas das viagens que fiz este ano, Síria e Líbano, contactei profundamente com a vida e cultura dos palestinianos refugiados nestes dois países. Nas comunidades de refugiados sírios e palestinianos de Sabra e Chatila em Beirute, falei com eles e ouvi-os. Abraçaram-me, deram-me as suas mãos, receberam-me em suas casas. Falaram sobre as suas histórias pessoais, as história dos seus avós, as vidas que tinham, as vidas que passaram a ter. Ouvi pela primeira vez falar na Nakba por quem participou, por quem sobreviveu e pelos seus descendentes.
Querem, procuram paz. Querem o regresso às suas casas, ao seu país. Guardam as chaves das casas que deixaram para trás, numa esperança, quase inútil, de um dia poderem abrir as suas portas.
Mostraram-me muitas dessas chaves e outros objectos que trouxeram com eles. Sabem os nomes dos seus proprietários. Muitos mortos pelos israelitas, outros pelo tempo que passou.
Agora, 75 anos depois voltam a enfrentar uma segunda Nakba, um segundo massacre, na verdade um genocídio. Bombardeiam hospitais, ambulâncias, escolas, casas, campos de refugiados.
A faixa de Gaza está cercada, invadida. Estão sem electricidade, comunicações e combustíveis que permitem aos hospitais, que ainda não foram bombardeados, funcionar, a poderem tratar dos seus feridos.
A cada dez minutos morre uma criança. São milhares, cerca de pouco mais de 4000, de crianças e bebés assassinados até ao dia que escrevo este texto.
Como o ocidente, desta vez, não tem que se curvar perante a chantagem da Rússia, mostra-se subserviente a Israel. Permite-lhes tudo, sem resoluções ou sanções internacionais aprovadas contra a Israel.
Se a ONU se mostrou praticamente inútil com a Rússia, agora é verdadeiramente inútil. A todos os níveis.
Decorre um genocídio à frente dos nossos olhos, ouvidos e dedos. Nas televisões, redes sociais, rádios, jornais.
Todos sabemos o que está acontecer mas recusamos a dar o devido o nome a este sofrimento implacável que os palestinianos enfrentam e sozinhos. Porque de facto, estão.
O povo pode ir para as ruas protestar, chorar, erguer bandeiras, gritar palavras de ordem, divulgar os inenarráveis padecimentos do povo palestiniano. Mas tudo isto esbarra nos líderes ocidentais. Frios, cínicos, apáticos, carneiros seguindo em fila indiana ao beija mão de um dos grandes facínoras do mundo actual, Benjamin Netanyahu. Os seus nomes, e a História lembrar-se-á disso, arrastam-se na lama, na poeira, nas lágrimas e sangue de milhares de inocentes: Ursula Von der Leyen, Emmanuel Macron, Olaf Scholz, Rishi Sunak, Joe Biden e Antony Blinken.
Se as guerras de Israel contra a Palestina (e não como afirmado contra o Hamas), a da Ucrânia contra o invasor russo, têm a maior cobertura mediática no prime time televisivo, uma terceira acontece, agora tornada invisível: a guerra civil do Sudão, um país com quem tenho igualmente fortes ligações efectivas por os ter conhecido e ter convivido com eles no seu país e igualmente alvo de "corajosas" sanções internacionais. Entenda-se ocidentais.
África nunca interessou à Europa. Não porque seja um continente longínquo, mas porque assume que é um continente "primitivo", tribal, sem rei nem roque, desinteressante. E no entanto foi o colonialismo europeu que desgraçou, que lançou este espantoso continente num lodaçal do qual ainda hoje não consegue sair.
Um guerra civil que já cerceou rente mais de 10000 vidas, com cerca de seis milhões de deslocados e refugiados em países tão ou mais pobres que o Sudão: Sudão do Sul e Chade.
Um país onde palavras como limpeza étnica e genocídio fazem sentido. Na região do Darfur, oeste do Sudão entre 2003 e 2005 estima-se que cerca - um pavoroso e frequentemente ignorado número - 200 000 mil mortes tenham ocorrido. A ONU mais uma vez não interveio, não fez nada porque considerou que um genocídio não estava a ocorrer.
Outra das vezes que a ONU pensou o mesmo, que apesar de reconhecer que algo verdadeiramente sinistro e macabro estava a ocorrer, resultou na morte pelas mãos da maioria Hutu, entre 7 de Abril e meados de Julho de 1994, de um milhão e meio, talvez mais segundo outras fontes, de pessoas da minoria étnica Tutsi. O memorial de deste genocídio em Kigali, tal como muitos outros espalhados pelo país inteiro, não deixam ninguém indiferente.
Para todos os efeitos, a Esteira celebra hoje 14 anos de existência.
As castanhas não faltaram 🌰🍷 e obrigado a quem anda desse lado 🥂