sábado, 11 de junho de 2016

uma música para o fim de semana - Maria Anadon



Poderia ser um comício em que as palavras de ordem são dadas em por uma parede cerrada de cordas (quatro violoncelos e uma guitarra portuguesa) que suporta e dá força para a voz Mara Anadon as converter, declamar, espectacularmente, num cocktail de sabores tangueros e fadistas.




Que Mais Querem de Mim, é o primeiro tema do álbum (Re)Cantos da Alma de Davide Zaccaria e Maria Anandon, está recheado de emoção, revolta. É um desabafo, que por vezes parece bordejar, num deceptivo lamento meio choroso.
Todo o tema infunde uma sensação e atmosfera de inquietação, de não acomodação, de uma revolta mal contida.

A voz de Maria Anadon é visceral, incisiva, frequentemente cortante e os violoncelos não o são menos. Tudo nela, e neles, é determinação.
O controlo da voz é extraordinária. A forma como sustenta por duas vezes, sem hesitar, durante uns firmes e altaneiros dez segundos a palavra Enganar aos 2.15, e depois repete aos 3.17 com a palavra Levar, é espectacular.

Todo o ambiente deste tema infunde uma sensação de inquietação e de não acomodação,
E mesmo na parte final da canção ainda há uns resquícios, talvez mal guardados dentro de si, que são soltos de uma forma que faz lembrar o scat jazzístico, dessa inquietação, dessa inconformação que ainda estão por extravasar.

Parece o meu gato Mahler que depois de já estar dentro do meu carro de volta para casa, após uma ida à clínica veterinária, que acabou dez minutos antes, ainda vem a resmungar.


Bom fim de semana :)





De esperanças mil, eu trabalhei
De sol a sol e mais além
No mar
Dei mais um passo e ainda assim
Sei lá, que mais querem de mim
“meu ar”
Talvez minh’alma
Ou o que dela sobra
Longe, num torpôr, que sei
Não quer ir embora
E se ficasse de repente
Toda instinto, toda alento
E mudar
Beber a vida em longos tragos
Na solidão, não há calor
Só ar
Deixo andar
Que eu quero ver o acordar
De todos nós, que de dormentes
Ainda agora, no presente
Nos deixamos enganar
Deixo andar
Estou a ver o acordar
De todos nós, já não ausentes
Que lesados, descontentes
Não nos deixamos levar


sexta-feira, 10 de junho de 2016

um poema de ... Luís Vaz de Camões (no seu dia e já agora no de Portugal)


Lágrimas Tristes Tomarão Vingança

Se somente hora alguma em vós piedade
De tão longo tormento se sentira,
Amor sofrera, mal que eu me partira
De vossos olhos, minha saudade.

Apartei-me de vós, mas a vontade,
Que por o natural na alma vos tira,
Me faz crer que esta ausência é de mentira;
Porém venho a provar que é de verdade.

Ir-me-ei, Senhora; e neste apartamento
Lágrimas tristes tomarão vingança
Nos olhos de quem fostes mantimento.

Desta arte darei vida a meu tormento,
Que, enfim, cá me achará minha lembrança
Sepultado no vosso esquecimento.


Luís Vaz de Camões


quarta-feira, 8 de junho de 2016

sou um introvertido, porque carga de água isto é tão difícil de perceber?? (I)


Recentemente descobri na internet alguns sites com vários cartoons que mostram a diferença entre introvertidos e extrovertidos.
Entre os falam muito e os que se mantêm caladitos e cujos cérebros se desligam ao fim de pouco tempo de conversa da treta.
Entre os que gostam de estar no meio da multidão e os que se esgotam no meio dela e ficam cheios de dores de cabeça, que se sentem a solidão por estarem no meio dela, e quanto isso dói e nos devora.

Haverá sempre alguns iluminados que irão dizer que nós, os introvertidos, os que preferimos a companhia de um animal a um grupo de pessoas, que uma praia cheia de gente e toalhas não é sinónimo de descanso, uma almoçarada de três horas sem parar de comer e de falar não é um prazer, que estar com uma pessoa não significa tagarelar sem parar, devem modificar-se e aproximar-se dos outros, fazer um esforço e ser de novo como os outros.

Sugiro o contrário. Que se aproximem de nós - mas não em excesso! - que nos percebam, compreendam e aceitem como  nós somos. Que saibam respeitar o nosso espaço, a nossa privacidade, a necessidade do espaço vital não seja permanentemente invadido, com ruído, com excesso de estímulos, de telefonemas, conversas longas, repetidas e esvaziadas de conteúdo. A importância de um ambiente que nos dê paz e nos pacifique e que as nossas energias são repostas com um livro, uma música, uma ida ao cinema,


Vai ser um conjunto, talvez uma dezena, de cartoons que nas próximas semanas, quase diariamente, irão explicar e mostrar na perfeição, de uma maneira mais ou menos séria, mas sempre a sério, o que nós, os Introvertidos, vemos e percepcionamos o mundo, sentimos e reagimos ao que nos rodeia, aquilo que nos agride e a forma como temos e precisamos de nos defender dessas agressões.


Sou um introvertido, porque carga de água isto é tão difícil de perceber???






terça-feira, 7 de junho de 2016

um poema de... Carlos Drummond de Andrade


A bunda que engraçada

A bunda, que engraçada.
Está sempre sorrindo, nunca é trágica.

Não lhe importa o que vai
pela frente do corpo. A bunda basta-se.
Existe algo mais? Talvez os seios.
Ora – murmura a bunda – esses garotos
ainda lhes falta muito que estudar.

A bunda são duas luas gémeas
em rotundo meneio. Anda por si
na cadência mimosa, no milagre
de ser duas em uma, plenamente.

A bunda se diverte
Por conta própria. E ama.
Na cama agita-se.
Montanhas avolumam-se, descem.
Ondas batendo
numa praia infinita.

Lá vai sorrindo a bunda.
Vai feliz na carícia de ser e balançar.
Esferas harmoniosas sobre o caos.

A bunda é a bunda,
rebunda.


Carlos Drummond de Andrade



segunda-feira, 6 de junho de 2016

série "estatísticas da vida" - CLXXVII



Desenhos animados e não só!
Qualquer que seja o filme onde haja uma queda de água, há sempre alguém que cai, mergulha ou é atirado lá para baixo.
E a probabilidade de sobreviver aumenta com a altura da queda ;)






domingo, 5 de junho de 2016

16





pequeno fósforo

pequeno fósforo
tempo tão breve ardido
luz de pele suave,

gentil sonho apagado
pelo deus errado foste escolhido
roubado a quem o acendeu.

belo, único que eras
folha de um ramo caído
quebrado em dois.

minha memória feliz
por nada não teres sido
no breve sim que foste

fósforo de clarão quente
suspenso em tempo perdido
paragem dos dias sem contar


Inkheart