sábado, 3 de janeiro de 2015

uma música para o fim de semana - Zeca Afonso


"Vamos cantar as janeiras, vamos cantar as janeiras" - Assim começa o Natal dos Simples de Zeca Afonso.

As janeiras já existem há bastante tempo, mas foi com esta canção que muitas pessoas as começaram a conhece-las. Eu fui uma dessas.

Seria mais tarde que perceberia que este tema não são as janeiras em si, mas sobre as próprias janeiras. Mas ainda hoje é difícil ignorar esta associação.

As Janeiras são musicas populares cantadas por grupos de pessoas ao longo das ruas, cantando de porta em porta.
A recompensa pelas suas canções são as Janeiras, sobras das refeições natalícias.
As pessoas oferecem aos janeireiros o que há em casa. Pão, broa, bolo rei, chocolate, castanhas ou nozes.
No fim, os grupos juntam todas as janeiras conseguidas e comem-nas todos juntos.

As Janeiras tradicionalmente são cantadas no norte de Portugal e nas Beiras. Iniciam-se no dia de Ano Novo e terminam no dia de Reis, a seis de Janeiro.
Começaram por ser uma maneira de as pessoas de mais pobres poderem melhorar as suas refeições nesta altura do ano sem que tivessem que mendigar ou sofrerem humilhações.
Usualmente são mencionados os nomes das pessoas donas da casa à qual vão cantar.

As suas origens são pagãs.
O mês de Janeiro na mitologia romana é o mês de Jano ou Jaunus. Este Deus que está associado às portas e à entrada. Na tradição romana, no começo/ entrada de um novo ano este Deus era louvado para trazer boa sorte e afastar os maus espíritos à casa. Daí o termo das janeiras e o facto de estas serem cantadas, naturalmente em Janeiro.

O Deus Jano é representado por duas faces. Uma virada para o passado, outra para o futuro. Uma fechava a porta, outra abria a porta. Uma fechava o ano, outra abria o novo ano.
Por ter duas faces antagónicas era considerado um Deus de indecisões.


Bom fim de semana :)




Natal dos Simples

Vamos cantar as janeiras
Vamos cantar as janeiras
Por esses quintais adentro vamos
Às raparigas solteiras

Vamos cantar orvalhadas
Vamos cantar orvalhadas
Por esses quintais adentro vamos
Às raparigas casadas

Vira o vento e muda a sorte
Vira o vento e muda a sorte
Por aqueles olivais perdidos
Foi-se embora o vento norte

Muita neve cai na serra
Muita neve cai na serra
Só se lembra dos caminhos velhos
Quem tem saudades da terra

Quem tem a candeia acesa
Quem tem a candeia acesa
Rabanadas pão e vinho novo
Matava a fome à pobreza

Já nos cansa esta lonjura
Já nos cansa esta lonjura
Só se lembra dos caminhos velhos
Quem anda à noite à ventura


quarta-feira, 31 de dezembro de 2014

um poema de... Álvaro de Campos (no dia 31 de Dezembro de 2014)





O que há em mim é sobretudo cansaço —


O que há em mim é sobretudo cansaço —
Não disto nem daquilo,
Nem sequer de tudo ou de nada:
Cansaço assim mesmo, ele mesmo,
Cansaço.

A subtileza das sensações inúteis,
As paixões violentas por coisa nenhuma,
Os amores intensos por o suposto em alguém,
Essas coisas todas —
Essas e o que falta nelas eternamente —;
Tudo isso faz um cansaço,
Este cansaço,
Cansaço.

Há sem dúvida quem ame o infinito,
Há sem dúvida quem deseje o impossível,
Há sem dúvida quem não queira nada —
Três tipos de idealistas, e eu nenhum deles:
Porque eu amo infinitamente o finito,
Porque eu desejo impossivelmente o possível,
Porque quero tudo, ou um pouco mais, se puder ser,
Ou até se não puder ser...

E o resultado?
Para eles a vida vivida ou sonhada,
Para eles o sonho sonhado ou vivido,
Para eles a média entre tudo e nada, isto é, isto...
Para mim só um grande, um profundo,
E, ah com que felicidade infecundo, cansaço,
Um supremíssimo cansaço,
Íssimo, íssimo, íssimo,
Cansaço...


Álvaro de Campos
09.10.1934


terça-feira, 30 de dezembro de 2014

Haikais de Inverno





1

Olá Inverno
de olhos austeros
ventos no caderno

2

neve caída
vento frio que aquece
Lua que a tece

3

neve que cai
e eu que estou aqui
fica e não vai

4

árvores despidas
teus ramos de solidão
folhas partidas

5

frio que deposita
como não quer mendigar
 simples visita

6

inverno de chuva
agarra a minha mão
na luva

7

voz que trauteia
as tranças da noite negra
Lua Cheia?

8

sol de brio
a brilhar no céu
tremer de frio

9

rio orgulhoso
corres nas correntes
que sentes?


Inkheart