A manifestação em França foi impressionante.
Muita gente na rua, muitos líderes juntos em torno dos atentados do jornal semanário Charlie Hebdo.
Todos estavam a favor da liberdade de expressão e de imprensa.
Mas acabada a manifestação, quando todos voltaram a casa, que aconteceu?
Nada. Ou melhor tudo. A primeira coisa que pensaram foi acabar com a circulação livre de pessoas entre os países signatários do espaço Schengen.
Manifestaram-se por um direito e logo seguir quiseram limitar outro.
E o que vai acontecer quando as reacções de indignação a quente tiverem arrefecido?
A manifestação de Paris foi apenas um fogacho de exibição hipócrita de uma pseudo união que durou vinte e quatro horas.
Mas para além das pessoas que morreram, morreram mais coisas. Morreram conceitos.
Digam o que disserem morreu o respeito pelo direito à liberdade de expressão ou eventualmente no sentido contrário passou, implicitamente, a ser permitido tudo.
O Charlie Hebdo tem todo o direito de satirizar os temas que considere que devam ser alvo da sua sátira.
E ninguém deverá ser impedido de o fazer. Ninguém deverá estar acima de uma crítica, de uma caricatura, de uma opinião ou de uma análise mais.
Mas entre a sátira e a humilhação existe uma linha ténue a separa-las.
Alguém se lembra do famoso cartoon de António que foi publicado em Dezembro de 1994, O Preservativo Papal??
Execrável, ofensa grosseira e rude, desenhada por uma mão maligna, disseram e escreveram sobre ele. E no entanto era um papa com um preservativo.
O cartoon foi considerado como não tendo ultrapassado os limites à liberdade de imprensa
Como liberdade, ela, o direito de imprensa, de expressão tem que ter um limite. Não é mandar "abaixo" de qualquer maneira
Morreu o respeito por uma religião, o Islão.
E foram dados mais uma vez motivos para que isso aconteça. Tudo o que foi publicado relativamente ao Islão, ultrapassou as fronteiras da liberdade. A nossa liberdade termina quando começa dos outros.
Acredito que o Charlie Hebdo tenha ultrapassado o bom senso relativamente ao Islão.
Sabendo o quanto inflamável o tema religião é para a sociedade em geral e particularmente para os muçulmanos que andam sempre no fio da navalha, a inteligência e o bom senso deveriam ter andado de mãos dadas.
Vai ser uma luta que os muçulmanos vão ter que travar para além da interna, os extremistas radicais e o estado do Islão.
Não tenho muitas dúvidas que o próximos tempos vão ser duros para os muçulmanos. Os verdadeiros.
Morreu a tolerância.
Com tudo o que aconteceu, a islamofobia aumentou. A capacidade de os muçulmanos, dignos desse nome, serem capazes de encaixar potenciais desrespeitos pelos seu valores religiosos provavelmente terá diminuído. Alguns poderão ter saltado a cerca para o lado extremista ou estar a pensar nisso.
Não nos devemos esquecer que há os muçulmanos e há os extremistas que não são muçulmanos.
E os primeiros a lembrarem-se disso devem ser os cristãos.
A Inquisição na idade medieval, onde morreram milhares de pessoas por não pensarem da mesma maneira, os heréticos, que a doutrina cristão impunha, durou séculos.
Toda a Europa e parte da América estiveram debaixo da pata sangrenta da Inquisição. Foram os Papas que iniciaram e autorizaram este extermínio.
Não distingo a Inquisição dos Radicais Islâmicos. Farinha do mesmo saco.
Morreram pessoas. Desnecessariamente.
Porque não respeitaram os seus valores. Porque não respeitaram os seus interesses. Porque brincaram com o fogo.
A experiência diz que no que respeita ao Islão há quem tenha uma interpretação fanaticamente literal e muita própria do Corão.
Talvez a liberdade de imprensa e/ ou de expressão tenha ido mais além do que seria razoável. Uma daquelas situações em que não tendo que ser limitada, deveria ser pelo menos...circunscrita.
Continuo a ser "Je suis Charlie", essencialmente por duas razões maiores.
Pelo assassinato das pessoas envolvidas nestes e noutros hediondos atentados e, porque acredito que a liberdade de imprensa, de expressão e logo todas outras liberdades, devem e têm que ser preservadas.
Mas sabendo sempre que a nossa liberdade acaba quando começa a dos outros.