Não se percebe muito bem a separação dos dois filmes. Duvido que seja por motivos comerciais quando se fala do realizador dinamarquês
Lars von Trier.
Um filme único de cerca de cinco horas, faria sentido, apesar de potencialmente ser desconfortável.
Ver o Volume 1 sem ver Volume 2 não faz sentido nenhum. No entanto na maneira como Ninfomaníaca foi partida em dois filmes também faz uma certa lógica.
Subtilmente há uma diferença entre os dois filmes.
No primeiro, Joe faz a descoberta da sua hipersexualidade e de alguma maneira usufrui dela até ao ponto em que o seu apetite sexual se torna desenfreado e chega a planear dez sessões por dia para depois por perceber que quando perde o prazer algo está errado com ela própria
Enquanto no segundo, há a percepção que se trata de um vício e busca da calmia dele quando este não lhe dá o prazer desejado.
E se no primeiro Stacy Martin é rainha do filme e
Charlotte Gainsbourg se resume ao papel do narrador que relata acontecimento de uma forma austera e fria.
No segundo, Charlotte assume em pleno o papel de Joe no filme.
Joe percebe que o seu vício sexual que além de lhe trazer problemas de relacionamento (o volume 1 já aflorava essa questão), traz-lhe também problemas físicos e tenta resolve-los.
Procura através de soluções mais convencionais, terapias de grupo até terapias menos ortodoxas encontrar uma solução para si.
Neste último caso o perturbante e inexpressivo K, desempenhado por
Jamie Bell (o miúdo de Billy Elliot), que protagoniza as melhores (e mais violentas) sequências do filme.
É neste segundo volume do díptico de Lars von Trier que Joe nos explica o que é ser uma ninfomaníaca.
É uma pessoa consciente que tem um problema social. É uma pessoa “humana”, sensível e que faz uma auto-avaliação muito crítica dela própria.
Mais uma vez no primeiro filme, enquanto os primeiros diálogos se estabelecem entre Seligman e Joe, esta faz rapidamente a afirmação de que é uma pessoa má, a pior que já existiu.
Joe é uma personagem muito pouco linear, mas tem profundidade, tem consciência dela própria. Está sempre em busca de se compreender de se integrar. Afastar-se do que a atormenta mas que também mais deseja, o sexo.
No fundo, ela mesmo questionando-se continua uma predadora sexual.
Com o conhecimento profundo que ao longo dos anos adquiriu relativamente à sexualidade masculina, ela é convidada (numa breve aparição de
Willem Dafoe) a fazer “trabalhos” como cobradora de dívidas e como seria de esperar com muito sucesso.
É na realização de um desses trabalhos que Joe mostra, a faceta compreensiva de quem sabe o que é ter um comportamento sexual desviante.
Tem que lidar com alguém que ela descobre ser um pedófilo através de um hábil jogo de contar histórias. Percebe que é alguém que reprimiu e prescindiu ao longo dos anos da sua sexualidade.
À sua maneira, Joe perdoa-o e recompensa-o.
No diálogo com Seligman sobre este episódio e com este indignado, com a recompensa de um pedófilo ela defende-o explicando que sendo um pedófilo ele é inofensivo.
Nem todos os pedófilos concretizam a sua sexualidade e isso como ela bem sabe, e nós também através do desenrolar do argumento, implica uma força e um sofrimento muito grande.
No final do filme ela reforça a sua determinação em lutar contra o seu vício. É resoluta na sua determinação.
O fim de Ninfomaníaca Vol 2 retoma o início de Vol 1. A tela fica subitamente preta e sem nada vermos, ouvem-se ruídos que nos contam sem margem para dúvida o que acontece.
A fica nosso cargo saber se acaba bem ou mal. Fico indeciso. Independente das minhas duas possíveis interpretações sobre o final, creio que acaba bem para os meus padrões de concepção de vida.
Mas sabemos que manteve-se fiel à sua resolução em afastar-se, em reprimir a sua sexualidade que a incomodava.
Ninfomaníaca no seu todo, é um filme muito bem escrito e bem pensado. É um grande argumento de Lars von Trier.
Insisto que os dois devem ser vistos no mais curto mais de tempo, no mesmo dia se as sessões o permitirem
Dá-nos a vertente usualmente não abordada e portanto desconhecida do que significa ser alguém que tem uma sexualidade exacerbada. Dá-nos uma visão tridimensional da personagem ao nível físico, emocional e social do problema.
E sabiamente, não o reduz exclusivamente a sexo.
Tal como no primeiro, não há ponta de erotismo no filme, Mesmo nas cenas eventualmente mais excessivas. E quanto às cenas mais explícitas de sexo que foram censuradas, não duvido que não tivessem também uma elevada carga pornográfica.
Duvido que fosse necessário censurar os dois filmes.
Porque o sexo numa ninfomaníaca, é frio, cru. É como roer unhas. Rói-se e pronto. Aqui o sexo também é um gesto automático.
É uma busca, uma tentativa (frustrada) de satisfação de uma necessidade. Quase não há prazer nele.
Como também no decorrer do primeiro filme é dito através de uma colega estudante de Joe, para o prazer falta-lhe o elemento secreto do sexo, o amor.
Os actores principais mantêm-se constantes no seu papel.
Mais uma vez no Vol 2 a aparição Jamie Bell é brilhante, William Dafoe não tem tempo de antena para brilhar, mas não se apaga e os transversais
Shia LaBoeuf continua um erro de casting, Charlotte Gainsbourg se um pouco apagada no Vol 1, no 2 domina e o atento ouvinte
Stellan Skarsgard é homogéneo do principio ao fim. nos dois filmes.
Sem dúvida são filmes a ver, as duas partes de Ninfomanícaca. Sem uma, a outra não faz sentido. E não vão vê-los naquela de irem ver sexo em barda. Para isso não vão porque não o encontram.
Não vão perceber patavina o que se passa no total das cinco horas e falham completamente a mensagem de Lars von Trier.
O que é uma pena porque ficam a perder.