sábado, 21 de outubro de 2017

uma música para o fim de semana - O Gajo


E se a mui alentejana viola campaniça, fiel e grande acompanhante do cante alentejano, deixasse as grandes planícies solarengas, dos cantares das colheitas e entrasse nos becos escuros e algo duvidosos de uma urbe, mas arrastando consigo algo dessa luz?

E se um guitarrista, algo obscuro, pouco dado à ribalta, fã da electricidade, do rock e do punk, desligasse a sua guitarra da tomada da electricidade, a pusesse encostada à parede, mas sem esquecer os seus escuros e misteriosos ambientes e a trocasse por uma... viola campaniça?
E a levasse aos becos escuros e sujos, nem sempre recomendáveis, às tabernas, aos tascos, às ruas estreitas de empedrado?
Seria uma grande aventura e muito fora da caixa!

Mas foi isso que João Morais fez. O resultado? Extraordinário!
Temos a viola campaniça a cantar a urbanidade texturada de Lisboa, o vaivém dos cacilheiros do Tejo, as sombras e as luzes difusas da noite da cidade projectadas nas paredes, utilizando ritmos mais acelerados do que esta está habituada e do outro lado ouvimos Lisboa com sotaque alentejano, mais colorido, mais dourado e mais luminoso.

Longe do Chão é o seu primeiro álbum e dificilmente O Gajo poderia começar de melhor forma.


Bom fim de semana ☺





quinta-feira, 19 de outubro de 2017

Gary Peacok trio - Tangents


Dá-me a tua mão


Dá-me a tua mão e vem comigo
arrastando os pés,
soltamos a poeira de Outono das folhas caídas
e pensemos,

Pensemos silenciosamente
sem parar,
num tagarelar inconsequente
de sonhos que por isso não se tornaram verdadeiros,

Verdadeiros, andemos lado a lado
sintamos,
suavemente concretizemos as nossas ausências
a tua e a minha, a caminharem no passeio do que não existe,

Existe apenas o que imaginamos e não o que sentimos
esqueçamos,
eternamente que não existe o que vemos
mas só o que não é visto.


Inkheart





quarta-feira, 18 de outubro de 2017

cento e seis vidas depois


As lições de Pedrogão Grande foram aprendidas, não se poderá repetir, disseram eles.
As falhas de comunicação do Siresp não podem voltar acontecer, disseram eles.
As entidades responsáveis pelo combate ao fogo vão-se coordenar mais eficazmente, disseram eles.
A ocorrência deste incêndio estava circunscrito geograficamente, disseram eles.
As condições climatéricas eram muito adversas e excepcionais, disseram
O incêndio de Pedrogão Grande causou 64 mortos.

Neste fim de tudo o que foi dito não aconteceu.
Não foram aprendidas lições nenhumas de Pedrogão Grande, o Siresp voltou a falhar, e todas entidades, os meios de combate ao incêndio estiveram descoordenados e as condições climatéricas excepcionais mantiveram-se... excepcionais.

A quantidade de meios disponíveis, (veículos, meios aéreos e prontidão de homens) estavam reduzidos em cerca de quarenta por cento, por força de o Ministério da Administração Interna (MAI) ter declarado que a fase Charlie não seria prolongada e esta daria lugar à Delta. E assim entrou-se Outubro.

No fim de semana passado deflagraram mais de 500 fogos em várias zonas do país. O resultado deles é triste e devastador. Para além de cinzas em cima de cinzas, quarenta e uma vidas foram ceifadas, largas centenas de animais perderam as suas, dezenas de casas destruídas, várias fábricas ardidas, muitos empregos desapareceram e a subsistência das populações está em risco.

Em quatro meses perderam-se 105 vidas.
António Costa afirmou que se vão viver seguramente mais situações como esta porque esta condições vão-se manter nos próximo anos.
O secretário de estado do MAI, Jorge Gomes, disse que as populações não podiam estar sempre à espera que os bombeiros acorrem-se aos locais, que estas fossem mais pro-activas.
Como se todos os dias não víssemos as pessoas ajuda-los e apagar fogos com o que têm à mão.

Finalmente, quatro meses depois, mais de uma centena de vidas perdidas e doze horas depois de um ralhete ríspido e incisivo por parte do Presidente da República, como nunca antes o tinha feito, o primeiro-ministro deixa a ministra do MAI, Constança Urbano de Sousa, demitir-se.
Esta já o tinha querido fazer por duas vezes e Costa não aceitou.
Precisamente há quatro meses, precisamente há sessenta e quatro vidas.