sábado, 16 de junho de 2012

uma música para o fim de semana - A Naifa


A Naifa nasceu um 2004 pelas mãos de João Aguardela e Luís Varatojo.
Sobre a sua batuta A Naifa edita três álbuns: Canções subterrâneas, 3 minutos antes de a maré encher e Uma inclinação inocente para o mal.

Por isso quando em Janeira de 2009 João Aguardela morre de cancro no estômago, a banda tremeu.

Numa decisão pensada, a Naifa resolveu partir em frente e editar o seu quarto álbum - Não se deitam comigo corações obedientes - com material novo e não com o que já existia, deixado por Aguardela.

Para ser um recomeço e não uma manta de retalhos incoerente, explica Luís Varatojo ou segundo Mitó Mentes (Maria Antónia Mendes), a vocalista, "é um disco de luta e não de luto".
O facto é que o tom do álbum é trespassado por uma certa dolência e melancolia.

Para este fim de semana, estive indeciso na escolha da música, existem dois temas deste álbum que gosto muito, mas não sabia qual deles iria sugerir.

Um é mais conhecido é o que passa mais frequentemente nas rádios e é também aquele tem a letra mais acessível - Gosto da cidade.

O outro, Émulos, menos conhecido, tem uma letra mais crua e fria. É um tema mais urbano e tem mais noite no seu interior.
O cinzento claro da voz de Mitó Mendes cativa-me imenso nesta canção.

Opto pelo segundo tema - Émulos


Bom fim de semana :)


Foi como amor aquilo que fizemos
sem manhã sujeitos ao presente;
os dois carentes
foi logro aceite quando nos fodemos.

Foi circo ou cerco, gesto ou estilo
o termos juntos sexo com ternura
Foi candura
num clima de aparato e sigilo.

Num clima de aparato e sigilo
Num clima de aparato e sigilo

Se virmos bem
Ninguém foi iludido
de que era a coisa em si - só o placebo
com algum excesso
com algum excesso que acelera a líbido.

E eu palavrosa injusta concebo
o zelo de que nada fosse dito
e quanto quis
e quanto quis tocar em estado líquido.

Foi circo ou cerco, gesto ou estilo
num clima de aparato e sigilo
Foi circo ou cerco, gesto ou estilo
num clima de aparato e sigilo

Foi como amor aquilo que fizemos
os dois carentes
foi logro aceite quando nos fodemos.





sexta-feira, 15 de junho de 2012

o Fogo Grego





Creio que não há volta a dar. O euro está podre.

A Europa está num estertor agonizante. Depois de Grécia, Irlanda, Portugal e da banca espanhola, adivinha-se o resgate financeiro da própria Espanha, a Itália ameaça para lá caminhar e espera-se o pedido de Chipre a todo o momento.

Há coisas que se reconstroem melhor sendo destruídas, do que edificando o que quer que seja numa base já danificada ou com problemas graves na sua fundação.

O euro nasceu com assumidas desigualdades existentes entre os países que constituem a zona euro, a famosa Europa a duas velocidades e foi pensada à semelhança dos seus membros mais "fortes" ou mais ricos.
Uma consequência directa disto é a falta de solidariedade e de sentimento europeu dos países que "ajudaram" relativamente aos países "ajudados".
Os curtos prazos para reembolso dos empréstimos, as altas taxas de juro a pagar por eles, os cortes financeiros a direito, cegos e sem nexo, em sectores cruciais para qualquer país que preze e queira garantir o seu futuro, a saúde e educação.

Sou dos que pensam que a Alemanha é uma das responsáveis pela situação criada.
Por pôr a pata em cima da garganta de quem já está esganado.
Por insistir na filosofia de austeridade, numa altura em que se duvida da sua eficácia e se está a revelar contraproducente, actuando como um poderoso travão ao desenvolvimento e crescimento dos países "ajudados".
E por querer que os países abdiquem da sua soberania a seu favor como contrapartida à "ajuda" financeira.

Com isto não quero dizer que a Alemanha deva abdicar do seu egoísmo para satisfazer o nosso.
Os almoços não devem ser grátis e também não acredito que os eurobonds sejam a solução. Nem seriam uma solução justa.
Países como a Alemanha, França ou Finlândia que pagam juros consideravelmente baixos pelas suas dívidas soberanas, passariam a pagar mais para absorver e baixar as taxas de juros quase incomportáveis que os países do sul da Europa pagam actualmente.

Mas é preciso pensar que se a Alemanha é o motor da Europa, é também a Europa que dá o combustível para o motor alemão funcionar.
Empobrecer (ainda mais) os países de economia mais fraca para alimentar as tendências neo-imperiais da chanceler alemã é dar um tiro no próprio pé e cair do trono abaixo.

O fogo grego que actualmente consome a Grécia foi iniciado pela Europa e esta arrisca-se a ser consumida também.

Há quem diga que as eleições gregas do próximo domingo são na prática um referendo à permanência ou não da Grécia no Euro. Acredito que sim.
Existe a ameaça (séria ou não) que caso o Syriza ganhe, a Grécia opte por sair do euro. É uma arma de arremesso, o contra-ataque grego contra a Europa.

Quase que desejo que tal aconteça. Provavelmente com a sua saída, outros países se seguirão, o euro acaba por cair e a Europa vai ao fundo ou então para que tal não aconteça e se evite o respectivo caos, os lideres europeus assumam o euro como moeda verdadeiramente única e lutem por ele.

Numa ou noutra situação, será uma oportunidade para que as premissas sobre as quais o euro e a Europa assentam actualmente, sejam seriamente repensadas
E é uma esperança para que haja lugar a novos líderes, mais competentes, com maior poder e capacidade de decisão, com espírito solidário e filosofia verdadeiramente europeia.


quarta-feira, 13 de junho de 2012

Pessoa 124





Há 124 anos, a 13 Junho de 1888, talvez com um manjerico na sua mesa de cabeceira, nascia Fernando Pessoa, o poeta que eu gostava de pensar que escrevia só para mim e que me compreendia.

À medida que o tempo corria e fui conhecendo pessoas que se cruzavam mais ou menos etereamente na minha vida, percebi que afinal Fernando Pessoa compreendia e escrevia para toda a gente.


Apontamento

A minha alma partiu-se como um vaso vazio.
Caiu pela escada excessivamente abaixo.
Caiu das mãos da criada descuidada.
Caiu, fez-se em mais pedaços do que havia loiça no vaso.

Asneira? Impossível? Sei lá!
Tenho mais sensações do que tinha quando me sentia eu.
Sou um espalhamento de cacos sobre um capacho por sacudir.

Fiz barulho na queda como um vaso que se partia.
Os deuses que há debruçam-se do parapeito da escada.
E fitam os cacos que a criada deles fez de mim.

Não se zanguem com ela.
São tolerantes com ela.
O que era eu um vaso vazio?

Olham os cacos absurdamente conscientes,
Mas conscientes de si mesmos, não conscientes deles.

Olham e sorriem.
Sorriem tolerantes à criada involuntária.

Alastra a grande escadaria atapetada de estrelas.
Um caco brilha, virado do exterior lustroso, entre os astros.
A minha obra? A minha alma principal? A minha vida?
Um caco.
E os deuses olham-o especialmente, pois não sabem por que ficou ali,


Álvaro de Campos

dar voz a quem não a tem - II


Os ucranianos fizeram isto durante a preparação do Euro 2012 de futebol.

Alguém ouviu a UEFA a protestar contra estes selvagens?
Alguém ouviu alguma voz de um jogador da "nossa" selecção nacional protestar contra o que aconteceu, ou a indignação de algum dirigente do futebol nacional?

Gentinha que não tem a mínima noção de ética ou moral e cuja única habilidade é chutar e mal o diabo de uma bola.
Raios os partam!




terça-feira, 12 de junho de 2012

dar voz a quem não a tem - I


Por causa do Euro 2012 de futebol, na Ucrânia, cerca de 60000 animais abandonados nas ruas, foram mortos a tiro, envenenados e deixados a morrer nas ruas, terrenos baldios e em lixeiras, enquanto outros eram atirados vivos para unidades móveis de incineração. Ou seja, foram queimados vivos!
Não houve respeito e humanidade nas suas mortes.

A UEFA de Michel Platini e o mundo do futebol de uma maneira indigna calou-se e permitiu que isto acontecesse!


segunda-feira, 11 de junho de 2012

Grande Ecrã - A Fonte das Mulheres


Tudo se passa algures no Atlas marroquino numa pequena aldeia muçulmana isolada, em que a única maneira de haver água é através de uma fonte afastada, onde as mulheres têm de subir e depois trazê-la, frequentemente com custos físicos elevados, para baixo enquanto os homens ficam no café a conversar e a beber chá.

Há a determinada altura uma revolta das mulheres por serem só elas a ir buscar água e reivindicam a participação dos homens. Com a recusa destes, elas iniciam uma greve ao sexo, uma greve ao amor.

A única coisa que está na sua posse e que lhes permite ganhar ascendente sobre os homens.
Ao travar esta luta vão criar divisões entre elas, entrar em choque com a sua cultura, religião e os seus próprios homens.

A história é transversal a todas as culuras. É a luta das mulheres pela sua emancipação, pela igualdade de direitos, por quererem ver a sua vida facilitada.

Em A Fonte das Mulheres observamos esta luta pelos olhos da mulher muçulmana, da cultura do norte de África e do médio oriente.

Mas sabemos que a mulher ocidental luta pelos mesmos ideais. Se bem que a níveis diferentes porque as suas necessidades serão culturalmente diferentes e também por aquilo que já conseguiu. Já não luta por uma fonte de água, mas luta pela igualdade de oportunidades, pela paridade ou pelo reconhecimento das suas capacidades intelectuais.

A partir desta premissa universal, Radu Mihaileanu (realizador de O Concerto) filma o quotidiano de uma aldeia remota norteada pelos ideais islâmicos. Assistimos aos seus hábitos, costumes e cultura.
É a outra perspectiva que A Fonte das Mulheres nos proporciona. É uma janela fiel para uma cultura que está geograficamente próxima de nós, mas que culturalmente está literalmente noutro continente.

Baseado em grandes diálogos e personagens sólidos este filme consegue prender a nossa atenção desde que se inicia.

As personagens de Leila que inicia a revolta das mulheres e Velha Espingarda, que lhe dá todo o seu apoio, são maravilhosamente compostas, respectivamente pela francesa Leila BekhtiBiyouna, uma cantora e actriz argelina.
A completar o leque das principais personagens, está o professor Sami desempenhado pelo actor Saleh Bakri.  Será ele que irá instruir Leila, a sua mulher, na interpretação do Corão que se revelará importante para que esta possa defender e fundamentar os seus argumentos na decisão que tomou.

A Fonte das Mulheres está em final de carreira nos nossos cinemas e já não será fácil apanhá-lo em cartaz, mas é definitivamente um grande filme e se ainda for possível, a ver.