sexta-feira, 12 de novembro de 2010

O Sr. do Adeus (1931-2010)

Não conhecia de todo o Sr. do Adeus.
Foi ontem, com a sua morte que ouvi o seu nome pela primeira vez.
Pelo que li e ouvi, tenho pena de não ter sido "adeusado" por ele. Era um senhor que usualmente estava no Saldanha ou Restelo, impecavelmente bem vestido e de característicos óculos de massa, dizia adeus às pessoas e atirava-lhes beijos. Era a sua maneira de afugentar (ou aliviar) a solidão que o assolava e perseguia. Precisava de comunicar e estar em contacto com as pessoas.
"Essa senhora é uma malvada, que me persegue por entre as paredes vazias da casa. Para lhe escapar, venho para aqui. Acenar é a minha forma de comunicar, de sentir gente".

Quem passava retribuía o adeus, quem circulava buzinava-lhe.
Pequenos gestos de grande significado que muitos recordam. Daqueles que podem alterar ou fazer a diferença na vida de uma pessoa. Daqueles que conseguem transformar lágrimas em sorrisos.
Para melhorar a sua, dedicou os últimos dez anos da sua vida a melhorar a vida dos outros. A das pessoas que por ele se cruzavam.

Parecia ter uma opinião muito pura e genuína da vida.
Parecia saber o que era importante na vida: ver e fazer os outros felizes. Mesmo que fosse por segundos. O tempo que necessitava para acenar a sua mão.
Curiosamente, no seu blog dedicado ao cinema, no final do último post, uma opinião sobre o filme "Rede Social", tenha escrito, talvez premonitoriamente:
"...ainda é cedo, mas desejo um feliz Natal a todos e estejam todos muito felizes".

O Sr. do Adeus, que preferia ser chamado Sr. do Olá, e que eu não conhecia até ontem, chamava-se João Manuel Serra.
A vida disse-lhe adeus aos 80 anos.


quinta-feira, 11 de novembro de 2010

um ano de blog

A quem segue e lê a Esteira, a quem a segue mas não lê, a quem a lê mas sem a seguir e até aos que fugazmente a cruzam, um grande obrigado.
Estamos de parabéns!

Hoje, em dia de São Martinho, a Esteira de Letras faz um ano. 






São servidos de uma fatia de bolo e um copo de jeropiga? ;)


quarta-feira, 10 de novembro de 2010

dia mundial da Ciência

"A ambição da ciência não é abrir a porta do saber infinito, mas pôr um limite ao erro infinito"
Bertold Brecht


Poucas coisas são tão opostas e "bipolares" como a Ciência.
Ela tanto pode ser letal, como salvadora. Traz a criação mas é acompanhada de perto pela destruição.
Carrega o milagre do nascimento, mas traz o horror em poucos segundos.
Encerra em si o medo das consequências, do desconhecido, mas transpira a alegria do sucesso e da descoberta.
É fonte de ganância e jogo escondido, mas simultâneamente é na distribuição e partilha do seu conhecimento que evolui.
À vaidade do passo em frente que foi dado, contrapõe a humildade do muito que falta conhecer e descobrir.
É objectiva e impessoal, mas destina-se e direcciona-se sempre às pessoas.

Os seus avanços fazem-se com base no erro e questiona-se permanentemente.
É sólida até ao momento em o deixa de ser, para de novo ser tornar mais sólida que anteriormente.
É um gigante de pés de barro em risco de queda eminente, mas sempre pronto a reconstruir-se, a reiventar-se.
Assume a sua ignorância e os seus limites. Procura expandi-los. É objectiva. É inquieta. Não é dogmática nem estática.

O dia de hoje, 10 de Novembro, dia mundial da ciência, consagra o melhor que a ciência nos pode trazer: paz e desenvolvimento.

7%

Terá sido o fantasma de ter o FMI a entrar no país que encorajou, mais que outro qualquer motivo, o entendimento entre PSD e o governo para a aprovação do OE de 2011. Não tenho muitas dúvidas sobre isto.

Declaradamente é um orçamento não consensual. Foi forçado pelas circunstâncias e pela necessidade, apresentado com falta de convicção, em que só verdadeiramente um partido, o do governo, apoiou.
Assim que o acordo foi atingido, cada um dos líderes responsáveis por ele, foi para o seu canto da arena política continuar os ataques políticos e verbais, como se nada tivesse acontecido. Sem mostrar a esperada cooperação institucional após o acordo.
É portanto um orçamento que não convenceu os portugueses, e muito menos os mercados financeiros internacionais. Não uniu a classe política em torno dele, quando isto era o que mais necessitava o país.

A consequência é a falta de credibilidade que Portugal actualmente tem junto da banca internacional. O que por sua vez causa a dificuldade que sente em financiar-se, em existir uma entidade financeira que confie no país para emprestar dinheiro e posteriormente confiar que vamos pagar as dívidas que foram contraídas.
Os mercados financeiros já praticamente não o fazem.
Neste momento apenas o BCE e a banca nacional o estão a fazer. E cada vez menos.

Quando o FMI for chamado - tem que ser chamado por um estado membro, caso contrário não intervém - e equilibrar as contas públicas, emprestando dinheiro, e há quem afirme que a questão não é, se vai ser chamado, mas sim quando vai ser chamado, vai pedir o mesmo que este OE prevê ou que já não se esteja a ser pensado em futuros PECs.
Aumento de impostos, redução dos salários da função pública, redução da despesa e do investimento público, alteração da legislação laboral, sem mencionar as (já sussurradas) reduções dos subsídios de férias e Natal, fazem parte da receita habitual do FMI.
Mas vai fazê-lo cortando a direito e no imediato. Impondo regras e condições. Autoritário.
Espera-se também vá para além disso, que acabe com os excessos e mordomias do Estado e seus satélites que corroem financeiramente o sistema. Que minimize a corrupção. Que moralize a política nacional. Porque só eles o podem fazer. Uma entidade exterior ao país. "Santos da casa não fazem milagres" diz o povo.

Teixeira dos Santos afirmou que se os juros atingissem os 7% consideraria a hipótese de chamar o FMI.
Mas recentemente Sócrates fez questão de dizer que chamar o FMI não é opção e Vieira da Silva afirmou que rejeita o limite dos 7% para o fazer.
Sendo um acto (desesperado) de confiança no actual governo, e uma tentativa de fuga à fraca imagem que passará para o exterior por parte de quem governa, pode ter um custo muito elevado.


Quanto mais tarde se der sinais de evolução, mais os juros vão continuar a subir, tal como está a acontecer agora e tornar a situação insustentável para o país a médio prazo. Quer por incapacidade de financiamento, quer por falta de cumprimento face aos cada vez mais altos juros que terão de ser pagos.
E aqui, a possibilidade de a China comprar a dívida portuguesa, que vai ser colocada à venda hoje, a última emissão deste ano, pode vir a dar uma ajuda a Sócrates. Um balão de oxigénio para os próximos meses.

Já que o Orçamento de Estado para 2011 foi aprovado, seria bom se tal não acontecesse. Mostraria a toda a gente que seríamos coerentes, que seríamos capazes de gerir os nossos destinos, as nossas finanças e economia.
Mas Portugal vive igualmente uma crise política, ou está muito próximo de uma, o que não dá confiança a ninguém e neste momento é uma presa ferida a debater-se e isso só atiça ainda mais os predadores.

segunda-feira, 8 de novembro de 2010

Grande Ecrã - Ondine

Syracuse é um pescador irlandês sem sorte que tem a sua vida num caos. Ex-alcoólico, a ex-mulher igualmente alcoólica, e uma filha sonhadora (Annie) com uma deficiência renal a necessitar de hemodiálise, cuja custódia ele não consegue ter.

Um dia Syracuse pesca, literalmente, com as suas redes uma bela mulher, Ondine. Descobre que está viva e dá-lhe abrigo.
Misteriosa, ela canta e fala numa língua que este não entende. Começa a participar na faina, o peixe começa a surgir em maior quantidade e a sua vida ganha frescura e um novo colorido. Fá-lo acreditar de novo na esperança, perdida pelo seu passado.
Annie, pelas histórias que o pai lhe vai contando à noite fica convencida que Ondine é uma "selkie". Um ser fantástico aquático, proveniente da mitologia irlandesa e escocesa, que pode assumir a forma humana ao retirar a sua pele de foca e retomar a sua forma original ao colocá-la de novo.
Começa assim a ser desenhada uma doce história de amor, um conto de fadas romântico, entre dois seres de mundos diferentes de difícil conciliação.

Depois quase cruelmente, quando nós próprios, já embalados na história romântica que paulatinamente se foi desenrolando à frente dos nossos olhos, em que a nossa imaginação começava a dar voltas para perceber como se poderia conciliar a Água e a Terra, Neil Jordan (realizador) começa a retirar-nos o tapete e apresenta uma nova e dura realidade.
Syracuse que estava sóbrio há mais de dois anos, por influência da ex-mulher, cai de novo nas garras do álcool e Ondine, não é mais uma "selkie", mas sim uma correio de droga romena, que afinal se chama Joana, que por sua vez, tem o traficante atrás dela para reaver a droga que perdeu numa fuga à polícia mal sucedida.

Mesmo depois de Neil Jordan conceder um final feliz aos três personagens, não deixa de haver uma certa frustração no desfecho.
Não só porque queremos de novo ver a sedutora e mitológica Ondine no lugar da prosaica Joana, mas acima de tudo porque somos confrontados com o facto que afinal fomos "iludidos" durante uma boa parte do filme.

Mas podemos sempre recorrer à frase do cartaz do filme: "a verdade não é o que sabes, é o que acreditas".