É dos livros de divulgação científica mais fascinantes que jamais li.
Se quiserem conhecer o mundo dos vírus, como estes surgem, se mutam, como se transmitem, as suas características, histórias, os nomes das pessoas que os estudaram, investigaram e que com eles sofreram, Contágio é O livro.
Como qualquer livro que divulgação científica que se preze, David Quammen; escritor, divulgador de ciência e explorador norte-americano; aborda e lida com conceitos complexos de uma forma simples e prática. Termos como contágio, mutações, proteínas, ADN e ARN, reservatórios, testes PCR, vacinação e outros tantos que se foram tornando (infelizmente) familiares para nós nos tempos que se vivem actualmente, mas ainda assim desconhecidos nos seus significados, são bem explicados e contextualizados.
O autor tem bem a noção de quando estamos perante conceitos mais complexos e de uma forma bem-humorada diz-nos, e sossega-nos, que são poucos os que os dominam.
Tem um ritmo quase alucinante de escrita e a narração é precisa e acutilante. Não desperdiça palavras nem as torna ocas ou fúteis.
É incessante a chegada de informação das suas quase seiscentas páginas e o desejo de continuarmos a ler é tão grande quanto a necessidade de pararmos um pouco para respirar mais fundo antes de mergulharmos de novo nele. É viciante. Dei por mim a ter que ler algo diferente para não me deitar com Contágio na cabeça.
Tal como um livro de viagens, com ele passeamos por todo o mundo. Particularmente pela Ásia e África, por vezes Europa e Austrália. Conhecemos cidades, aldeias, rios, florestas, cavernas, quintas e subúrbios.
Em cada capítulo (são nove) aborda em detalhe um determinado vírus mas não exclusivamente esse vírus. Isto significa que o nosso conhecimento tem sempre um horizonte aberto mas não a perder de vista.
Alguns dos vírus e respectivas doenças já são nossos conhecidos. Num determinado momento, devido à dimensão dos surtos, da intensidade das consequências, foram notícia nas televisões, em jornais ou nas redes sociais: ébola, malária, sida, gripe espanhola, herpes são familiares para nós. Outros nem tanto. Ou porque os seus surtos foram de pequenas dimensões, foram breves no tempo ou geograficamente afastados do ocidente, tais como: Hendra, Lassa, Marburgo, Machupo ou o Nipah. Ficamos também a saber que têm diversos nomes, pertencem a famílias e têm características e diferentes taxas de letalidade e mortalidade.
Ouvimos demasiadas vezes a palavra coronavírus que ficamos a pensar que só existe este no mundo, mas de facto existem outros, muitos outros: hantavírus, retrovírus, filovírus, adenovírus, etc..., etc..., etc...
Percebemos que a complexidade dos vírus, cuja discussão se é um ser vivo ou não ainda permanece apesar de genericamente não ser considerado como um, é gigantesca e frequentemente parece ter "vontade própria e inteligência". Ficamos saber que ele necessita de um hospedeiro para poder reproduzir-se e fazer multiplicar o seu código genético. Por si próprio ele não o capaz de fazer. É aqui que entram os defensores de que não deve ser visto com um ser vivo.
O seu tamanho é tão pequeno que só no primeiro ano da década de trinta do século passado se descobriu a sua existência física - há muito que se sabia quais eram os seus estragos - com a criação do microscópio electrónico. As suas dimensões medem-se em nanómetros. Para se chegar chegar a este comprimento é preciso pegar num milímetro e dividi-lo um milhão de vezes.
David Quammen ao longo das suas páginas conduz-nos igualmente pela história, pela antropologia, sociologia e climatologia. Ilustra perfeitamente a relação, frequentemente desastrosa, dos vírus com os seres humanos. De como os nossos hábitos e cultura influenciam e foram influenciados pelos mesmos. Aborda a importância dos xamãs, de feiticeiros e curandeiros, das superstições, da importância da sobrevivência e subsistência dos seres humanos e do funesto comércio e tráfico de animais. Mostra que a subida da temperatura global propícia as condições favoráveis para que os vírus e seus hospedeiros das florestas tropicais, um autêntico viveiro deles, se aproximem dos nossos ambientes tornando cada vez mais provável o contágio que o título do livro se refere. O autor usa frequentemente o termo inglês "spillover". Spillover, termo talvez mais adequado que a tradução contágio, refere-se ao momento em que um determinado vírus (ou uma bactéria) passa, migra, para o corpo de uma nova espécie. Neste caso, nós, humanos. Quando este acontecimento ocorre de um animal para o ser humano define-se como uma zoonose. O contrário designa-se por antroponose. Dois termos igualmente bem explicados no livro.
Escrito em 2012, sim é verdade vai fazer 10 anos, Contágio não é um livro "oportunista" que vive do momento actual. Nessa altura avisava como a nossa relação destruidora e desrespeitosa para com os animais, com os seus habitats e ecossistemas, a desflorestação, as alterações climáticas potenciam cada vez mais a possibilidade de ocorrências de pandemias. De como trazemos, os vamos "buscar", os vírus até nós, até às nossas sociedades rápidas e globalizadas, às cidades evoluídas mas saturadas de gente.
Por ter sido escrito bem antes desta pandemia, houve uma actualização do livro com a introdução de um breve capítulo ao SARS-COv-2 numa altura em que, quer este, quer a doença, não tinham nome, sabendo-se apenas que era um coronavírus.
De novo em 2012, Quammen avisava no seu livro que a próxima grande pandemia poderia ser causada por um coronavírus. E como também já ouvimos várias vezes pelas vozes de especialistas, pela forma abusiva e invasiva como nos relacionamos com o mundo natural, haverá mais para vir. Talvez ainda de uma forma mais destruidora para nós.
Ler Contágio é igualmente uma lição de humildade que a humanidade insiste em não querer aprender. Até ao dia...
Indo bem para além da entrada no segundo ano consecutivo da pandemia causada pelo SARS-COv-2, e sob qualquer circunstância, a sua leitura é imperdível.