sábado, 23 de outubro de 2021

uma música para o fim de semana - Vento Norte (Manuel de Oliveira)


Manuel de Oliveira, um músico vimaranense nascido em 1978, junta no quarto e mais recente álbum, Entre-Lugar, um belo e invulgar trio: viola braguesa, violoncelo e acordeão. 
O próprio Manuel Oliveira toca a braguesa, o violoncelo está nas mãos de Sandra Martins e o acordeão é da responsabilidade de João Frade. Os três instrumentos têm personalidades bem diferentes e juntos criam uma atmosfera encantada de viagens.

A viola tem um som encantado que nos dá as mãos e nos leva atrás de si. Leva-nos pelos ares. Vemos pastagens, castelos, pomares, planícies e campos lavrados. Ribeiros e riachos. Vinhas de aromas de vinhos verdes, tintos e brancos. Imagino mouros, lendas e feitiços.
O violoncelo traz prestígio. É um som pausado, pousado. Solene e culto. É como conhecermos alguém sábio, um ancião, e nos sentamos perante ele para atentamente ouvirmos os seus dizeres, os seus ensinamentos, as suas histórias. Como diriam os franceses quando querem caracterizar, e lhes faltam as palavras, algo ou alguém que é misterioso, sedutor, intangível mas simultaneamente com presença: tem um je ne sais quoi
Gosto imenso do som do acordeão quando este é levado a "sério", quando não é "assassinado" nas música, festas e bailaricos populares.
Tem um som característico. É fino, onírico e sofisticado. Bem tocado e em mãos capazes (João Frade), é sempre uma enorme mais valia a uma banda onde está integrado. Ele leva-nos à terra, ao essencial. Às casas caiadas, aos céus azuis, aos aromas da cozinha tradicional portuguesa, aos trajes tradicionais. É um instrumento luminoso. Estamos muito pouco habituados a ouvir um acordeão a soar desta maneira.

Dos oito temas que o álbum apresenta apenas O sopro é uma canção. Uma canção com assinatura. Cantada pelo fadista Marco Rodrigues, esta faixa é dedicada ao pai de Manuel de Oliveira, Aprígio Oliveira, seu mentor no estudo da guitarra e viola. Na verdade, Manuel Oliveira considera todo o álbum um render de homenagem ao pai que morreu em Março de 2018.
As duas últimas faixas são por sua vez dedicadas a Zeca Afonso e Paco de Lucía.

Escolho Vento Norte para a música para este fim de semana. É tudo o que escrevi acima. Sintam a brisa nortenha. O sol a nascer entre casas senhoriais feitas de grossas pedras. Galos a cantar a anunciar a manhã que chega. Os caminhos estreitos, rostos tisnados, envelhecidos e esculpidos por rugas. Lenços nas cabeça e enxadas na mão. Uma viagem que aborda o paganismo. Faz-me imaginar o Outono, as castanhas assadas e os gatos nas janelas decoradas com rendas brancas. Vento Norte tanto é festivo como adopta atitudes e gestos mais contidos.

Penso que é por isto tudo isto que gosto e aprecio tanto Entre-Lugar. Identifico-me e sinto intimidade com a música de Manuel de Oliveira. É um despertar dos sentidos. Deixar as cidades para trás, um regresso ao que é simples. Ter atenção ao que se passa à nossa volta. Desvendar segredos, cantos escondidos e novos lugares.


Bom fim de semana 😉






sexta-feira, 22 de outubro de 2021

União Europeia, para que te quero?


Independentemente dos argumentos que possam estar por de trás das afirmações do primeiro-ministro Mateusz Morawiecki, este tem razão. A União Europeia não se pode sobrepor às constituições de cada um dos países. Desde há algum tempo que se assiste uma canibalização de soberanias e também desde há algum tempo que o conservadorismo e as extremas direitas estão a ganhar terreno, quer no parlamento europeu quer nos parlamentos nacionais. Ou políticos como o primeiro-ministro húngaro, versão menor do ditador e pseudo czar Putin, Viktor Orbán começam surgir e a saltarem por todo o lado como pipocas. A associação não é difícil de ser feita.

Se a União Europeia não está de acordo com o comportamento de um determinado país, se as regras impostas por si não são cumpridas e os esforços de levar esse país ao caminho daquilo que pensa que é a "luz" se tornam inúteis, ou reiteradamente não cumpridas então deve desencadear um processo de saída. Ou fica e cumpre, ou não cumpre e sai. Opção em vez de imposição.

Por isso gostei do Brexit. O Reino Unido quis sair, saiu. Não esteve para aturar interferências na gestão nacional e o clube europeu não lhe trazia valor acrescentado. Gostei também por causa do abanão que provocou. Foi uma facada na sobranceria europeia. E se houver um Polexit, e espero que sim, será outra facada. A UE só é positiva para dois tipos de países: os nórdicos que impõem a sua vontade e vampirizam terceiros e os economicamente dependentes, (necessariamente) subservientes aos primeiros e ao eixo franco-alemão, como nós.

A União Europeia claramente tem que ser repensada. Está muito mais próxima de uma ditadura do que uma democracia. 
Helmut Kohl deve andar às voltas ao ver naquilo em que nos estamos a tornar.







quarta-feira, 20 de outubro de 2021

série "vencedores" - Filipa Martins


Filipa Martins tornou-se na primeira ginasta a conseguir ir às finais de um mundial de ginástica no aparelho paralelas assimétricas, sua especialidade, e também em all-round (um conjunto global de aparelhos, ou especialidades, na ginástica feminina: tapete, paralelas assimétricas, trave olímpica e salto).
O feito da ginasta de vinte cinco anos e natural do Porto, treina no Acro Clube da Maia, foi conseguido ontem nos mundiais de ginástica artística, que estão a decorrer em Kitakyushu, no Japão.

Já nos Jogos Olímpicos de Tóquio 2020, Filipa Martins tinha conseguido um 17º lugar nas paralelas assimétricas, um feito tremendo para um país que não tem grande tradição na ginástica mundial.
E em Abril deste ano, Filipa Martins viu o seu nome inscrito na história da ginástica ao criar um novo elemento artístico de elevada dificuldade (o "Martins") nas paralelas assimétricas.

Independentemente do resultado que venha a conseguir nas finais a que chegou, Filipa Martins tem um percurso fantástico. A melhor ginasta nacional de sempre.

Altamente! 💪💪💪




Actualização em 22.10.2021 - terminou a final de all-around em sétimo lugar

Actualização em 23.10.2021 - terminou a final de barras assimétricas em oitavo lugar





terça-feira, 19 de outubro de 2021

Bhoren & Der Club of Gore - escuro como a noite, e ainda bem


Li num site de jazz que se deve começar a ouvir Bhoren & Der Club of Gore às duas da manhã, sozinho e com um copo de absinto. Concordo em absoluto. 

É um jazz profundamente estruturado, pausado, lento e compassado. Praticamente monocórdico, melancólico, certamente depressivo. 
É algo espectral e etéreo. Urbano e elegante. Minimalista, preciso e bem planeado. Sussurrante. Evoca as cidades à noite, vazias e lentas, os reflexos do nosso rosto em janelas ou montras mortiças pela escuridão e por uma sujidade mal resolvida pela passagem curva de um pano húmido. 
No entanto, é gentil, acolhedor e amigável. Definitivamente relaxante, convida ao afundar no sofá, à letargia, ao encostar ou a deslizar lentamente até ao chão por uma parede silenciosa, de copo na mão - não necessariamente absinto - e perdido no tempo. Fantástico para esvaziar a mente e partir lentamente para outros lugares, sem destino e sem vontade de voltar. 
Não serve para quem procura a luz, o brilho do sol ou algo que nos eleve ou retire a alma de estados mais sombrios e pesados.
A última faixa do álbum, a 9 - Deads and Angels - diz tudo: é tocada debaixo de chuva e com alguma trovoada pelo meio.

Nomes para classificar o jazz desta banda alemã; actualmente um trio formado por Christoph Clöser (saxofone tenor, piano e vibrafone), Morten Gass (teclas e guitarra eléctrica) e Robin Rodenberg (contrabaixo); formada em 1992 não faltam: dark jazz, noir jazz ou outros mais excessivos, e diria pouco adequados, como doom jazz ou horror jazz. 
Os membros dos Bhoren & Der Club of Gore antes da sua formação estavam imersos nas variantes (mesmo) mais pesadas do metal: grindecore, hardcore, doom e death. Em 1993, "viraram a agulha" - e de que forma! - ao dedicarem-se ao estilo de música que actualmente tão bem os caracteriza e pelo qual se tornaram conhecidos, tornando-se uma referência neste sub-género do jazz.

O meu encontro com esta banda foi do melhor que me aconteceu em vários anos desde a descoberta de GoGo Penguin (Man Made Object) e da leitura do meu primeiro livro (A Sul de Nenhum Norte) de Charles Bukowski.
Deles, comecei com Sunset Mission, um álbum lançado em Fevereiro de 2000 e o Piano Nights de 2014 está já a caminho da minha casa.

Deixo o tema que abre Sunset Mission, Prowler.









segunda-feira, 18 de outubro de 2021

the bread (o pão)


Apesar de fofa e de ter um final, dito feliz, esta curta provoca-me ansiedade.
Faz-me lembrar os milhões de animais que são mortos diariamente nos matadouros por esse mundo fora. Por muito que façam, por muito que resistam e não queiram, acabam sempre mortos.
No fim, tal como para o pão, espero que haja um final feliz também para eles. 
Uma espécie de céu, de um lugar melhor onde possam ser felizes, respeitados e sorrir. 

Merecem pelo supremo sacrifício que (lhes tiram) dão: a sua vida. 💗