sexta-feira, 15 de outubro de 2010

há 120 anos...





Há 120 anos, nascia a 15 de Outubro de 1890 em Tavira, Álvaro de Campos, um dos heterónimos mais conhecidos de Fernando Pessoa.
E há 81 anos, Álvaro de Campos escrevia um dos poemas que mais gosto - Aniversário.

Não é o meu heterónimo favorito, esse é Alberto Caeiro (que até foi mestre de Álvaro de Campos), mas perpassa por todo este poema um imenso sentimento de desilusão, melancolia e amargura que me cativa imenso.

Em Aniversário, Campos sente-se abatido e está resignado.
As mortes daqueles que nele depositavam esperança, a perda do passado e da sua infância pesam-lhe na memória.
A percepção de ter ganho consciência dele próprio tardiamente é-lhe particularmente dolorosa e acentua-lhe a sensação de perda.
Sente-se abandonado pelo tempo passado.
Está mergulhado e irremediavelmente perdido numa existência oca até ao final dos seus dias.


Aniversário

No tempo em que festejavam o dia dos meus anos,
Eu era feliz e ninguém estava morto.
Na casa antiga, até eu fazer anos era uma tradição de há séculos,
E a alegria de todos, e a minha, estava certa com uma religião qualquer.

No tempo em que festejavam o dia dos meus anos,
Eu tinha a grande saúde de não perceber coisa nenhuma,
De ser inteligente para entre a família,
E de não ter as esperanças que os outros tinham por mim.
Quando vim a ter esperanças, já não sabia ter esperanças.
Quando vim a olhar para a vida, perdera o sentido da vida.

Sim, o que fui de suposto a mim-mesmo,
O que fui de coração e parentesco.
O que fui de serões de meia-província,
O que fui de amarem-me e eu ser menino,
O que fui — ai, meu Deus!, o que só hoje sei que fui...
A que distância!...
(Nem o eco... )
O tempo em que festejavam o dia dos meus anos!

O que eu sou hoje é como a humidade no corredor do fim da casa,
Pondo grelado nas paredes...
O que eu sou hoje (e a casa dos que me amaram treme através das minhas lágrimas),
O que eu sou hoje é terem vendido a casa,
É terem morrido todos,
É estar eu sobrevivente a mim-mesmo como um fósforo frio...
No tempo em que festejavam o dia dos meus anos ...
Que meu amor, como uma pessoa, esse tempo!
Desejo físico da alma de se encontrar ali outra vez,
Por uma viagem metafísica e carnal,
Com uma dualidade de eu para mim...
Comer o passado como pão de fome, sem tempo de manteiga nos dentes!

Vejo tudo outra vez com uma nitidez que me cega para o que há aqui...
A mesa posta com mais lugares, com melhores desenhos na loiça, com mais copos,
O aparador com muitas coisas — doces, frutas, o resto na sombra debaixo do alçado,
As tias velhas, os primos diferentes, e tudo era por minha causa,
No tempo em que festejavam o dia dos meus anos…

Pára, meu coração!
Não penses! Deixa o pensar na cabeça!
Ó meu Deus, meu Deus, meu Deus!
Hoje já não faço anos.
Duro.
Somam-se-me dias.
Serei velho quando o for.
Mais nada.
Raiva de não ter trazido o passado roubado na algibeira! ...
O tempo em que festejavam o dia dos meus anos!...


Álvaro de Campos
15.10.1929


quarta-feira, 13 de outubro de 2010

hoje somos chilenos


Hoje é difícil que os nossos pensamentos não estejam no Chile.
Que não nos sintamos um pouco chilenos por dentro.

Por cada mineiro resgatado, solto um sorriso de alívio. 
É uma história tremenda de tenacidade física e mental que cada um destes mineiros tem para contar.
Durante vários dias tiveram que racionar o pouco alimento disponível até à altura em que a sonda chegou e disponibilizou regularmente alimentação caloricamente enriquecida.
Geriram e organizaram o exíguo espaço. Elegeram um "médico". Resolveram conflitos e criaram regras.
Na verdade, tiveram que criar e pôr a funcionar uma mini-sociedade durante mais de dois meses.

Desejo profundamente que saiam todos bem.
Para além da vontade de ver os 33 mineiros (32 chilenos e um boliviano) cá fora, sãos e salvos, o Chile merece que tal aconteça.
Uniu-se e foi admirável o esforço e a determinação que colocou no salvamento dos mineiros. Antecipando inclusivamente o prazo de salvamento em cerca de um mês.
Sem hesitar e em tempo real colocou todos os meios disponíveis no terreno. Solicitou e coordenou ajuda internacional que rapidamente chegou aos mineiros.

Os 33 mineiros estão soterrados a cerca de 622 metros de profundidade, após um desabamento, desde o dia 5 de Agosto.
Das entranhas da terra começaram hoje a renascer para o mundo.
A sua reclusão na mina de cobre de San José, Chile, durou 69 dias e é a mais longa história de sobrevivência humana até ao momento.

domingo, 10 de outubro de 2010

10 Outubro - dia mundial contra a pena de morte


Sou contra a pena de morte. 
Mas não apenas porque ela atenta contra a vida humana.

Sou contra pena de morte porque se a justiça falhar o seu julgamento, perde-se uma vida inocente. 
Sou contra a pena de morte porque ela não permite o arrependimento e a redenção. O pagar à sociedade através de trabalho útil, cívico ou comunitário, o mal que alguém lhe causou. 
Mas acima de tudo, por não permitir o desespero de imaginar, por parte de quem violentamente não cumpriu as regras da sociedade, que o resto da sua vida irá ser passada sem liberdade. Que a vida que anteriormente conheceu e usufruiu desapareceu.

Assume-se a morte como um apagar e o descartar de um problema. É o obliterar do indivíduo dito criminoso. É uma solução confortável, barata e fácil para a sociedade. Até para o próprio assassino. Tipo olho por olho, dente por dente. 
A pena de morte é para todos os efeitos um assassinato, um homicídio. Tornamo-nos assassinos socialmente e juridicamente autorizados. Convenhamos que é uma forma de justiça fraca e falhada.
Sou a favor da prisão perpétua, sem liberdade condicional e sem redução de pena. 
Sou a favor da vida e do desespero.

Assumi nos parágrafos anteriores que a pena de morte é aplicada usualmente a quem atenta contra a vida humana e consegue concretizar esse mesmo atentado.
Mas a grande questão é que a pena de morte em muitos dos países que ainda a praticam é aplicada não apenas contra quem atentou contra a vida humana. Mas sim a quem tem opiniões contra uma doutrina vigente (política ou religiosa), quem pensa diferente, quem tem comportamentos divergentes do que está oficialmente definido.
Tem por missão e objectivo "arrancar as ervas daninhas", executar quem sai fora do "rebanho".
Aqui, a pena de morte assume um papel mais vil e bem mais incompreensível do ponto de vista dos direitos humanos.
Penso, por exemplo, na China, na República Democrática do Congo, Arábia Saudita e Irão. 

Portugal aboliu a pena de morte em 1867 e a última condenação à morte foi registada em 1849.



Este video consta da página da Amnistia Internacional