Há neste vídeo de um duplo atropelamento de uma criança com dois anos de idade no mercado da cidade chinesa de Foshuan, duas brutalidades: a do acto em si e a mais atroz delas, a indiferença das pessoas.
É difícil explicar e ainda mais tentar compreender como se chega a este ponto.
Pode sempre invocar-se que a China está virada cegamente para a produção.
Pode invocar-se que o controlo estatal que o regime comunista chinês exerce sobre as populações as embrutece.
Pode invocar-se que a China sendo um país extremamente assimétrico e desigual no seu desenvolvimento cria, por habituação, uma apatia e indiferença ao abandono, à exclusão social e logo ao sofrimento individual.
Penso que o facto de esta brutalidade ter acontecido na China tem alguma relevância pelo que escrevi acima e apesar de ser tentador e fácil reduzir este acontecimento apenas a este país não creio que deva ser feito.
O problema certamente não será só chinês, será tendencialmente global e muito provavelmente semelhante nos seus motivos.
As nossas vidas neste momento estão particularmente formatadas.
Estamos tão virados para o pagamento de impostos, para estatísticas e percentagens, para o desemprego que aumenta, para os sacrifícios pessoais que estão sempre a serem pedidos, tão absorvidos na nossa sobrevivência física e social que sobra pouco tempo e espaço para o sofrimento alheio.
O virar a cabeça para o lado e acelerar o passo é mais útil. Causa menos problemas do que o sentido da ajuda do próximo que agoniza aos nossos pés.
Porque se fazem menos perguntas, porque custa menos tempo e logo produz-se mais, porque não se enfrenta burocracias e logo produz-se mais, porque não se chega atrasado ao nosso destino que até pode ser o nosso emprego e logo produz-se mais, buscar um filho a um infantário que fecha demasiado cedo ou uma promoção de apenas um dia de um artigo qualquer num supermercado qualquer mas que tem que ser aproveitada e que faz falta em nossa casa.
Estamos todos muito fechados e concentrados em nós próprios, nas nossas tarefas e mais uma vez na nossa sobrevivência. Não vemos um palmo à frente dos nossos olhos. Estamos cegos e por necessidade tornamo-nos progressivamente e perigosamente mais egoístas e mecanizados.
Mas mesmo assim não consigo perceber como é que a indiferença, como é que a ausência de consciência, ética e valores morais podem atingir níveis tão monstruosamente altos como neste atropelamento que aconteceu em Foshuan, China.