sábado, 13 de junho de 2015

uma música para o fim de semana - Ornette Coleman


É considerado um dos músicos mais influentes do jazz.
Em 1959, naquele que é chamado o annus mirabilis do jazz, um ano considerado o mais marcante e prolifero da história do jazz, Ornette Coleman deixaria a sua marca.

The Shape of Jazz to Come é um dos álbuns seminais desse ano e logo da história do jazz.
O saxofonista americano Ornette Coleman começa a "libertar" o jazz do seu harmónico exoesqueleto.
Ele muda-lhe a essência atribuindo-lhe uma nova roupagem.

Começa pela formação pouco usual do seu quarteto.
Saxofone alto (O. Coleman), corneta, uma variação do trompete (Don Cherry), contrabaixo (Charlie Haden) e bateria (Billy Higgins).

O instrumento harmónico por excelência no jazz, o piano, está ausente.

As notas que aparecem ter nascido umas para as outras, dando as suas mãos em harmonia, começam a saltitar sem preocupações. Umas vezes agarram as mãos, outras andam de um lado para o outro.

Tal como letras que bem alinhadas constituem frases coerentes, para voltar a baralhar e as novas palavras sairem do seu lugar para dar origem a frases que parecem dissonantes, desordenadas.
A esta "desordem" aparente, a esta nova forma de estruturar o jazz, chamou-se free jazz. Um nome apropriado.

Ornett Coleman, com o seu The Shape of Jazz to Come", de 1959, um título verdadeiramente profético. Durante a década de 60 e 70 tornou-se um género do jazz bastante popular. Alguns dos trabalhos mais memoráveis de Coltrane são deste período.
Mas Coleman ficou como o pai do free jazz.

Não é fácil gostar desta evolução do jazz. É uma narrativa difícil de seguir.
E no entanto este álbum apenas dá uns passos tímidos nesta direcção. É um álbum até razoavelmente melódico.
Diria que exige alguma estaleca em termos de jazz.
Desbravar o jazz logo por aqui, pode não ser a melhor das introduções. É como começar a ler Kafka começando pelo Castelo.
Pessoalmente, tenho dificuldade em seguir o free jazz.

Tenho todos os álbuns que fizeram de 1959, o annus mirabilis do jazz.  Excepto este que fez nascer o free.
Tal como tantas e tantas vezes acontece, é preciso que o autor morra, para que a sua obra comece a ser descoberta. É exactamente o que vai acontecer com Coleman.
Da próxima vez que for a uma FNAC, lá vou fazer clac, clac, clac, até o encontrar com o seu The Shape of Jazz to Come.
Isto chateia-me duplamente. Porque este é um álbum que já devia ter há algum tempo e depois porque devia tê-lo comprado enquanto vivo. Paciência.

Uma música para o fim de semana homenageia Ornete Coleman e o seu mítico álbum.

Ornette Coleman, um dos grandes senhores do jazz mundial, morreu no passado dia 11 de Junho com 85 anos, de ataque cardíaco.
Desejo-te uma boa Viagem.


Bom fim de semana :)







Fernando Pessoa 127



Não sei quantas almas tenho

Não sei quantas almas tenho.
Cada momento mudei.
Continuamente me estranho.
Nunca me vi nem acabei.
De tanto ser, só tenho alma.
Quem tem alma não tem calma.
Quem vê é só o que vê,
Quem sente não é quem é,

Atento ao que sou e vejo,
Torno-me eles e não eu.
Cada meu sonho ou desejo
É do que nasce e não meu.
Sou minha própria paisagem;
Assisto à minha passagem,
Diverso, móbil e só,
Não sei sentir-me onde estou.

Por isso, alheio, vou lendo
Como páginas, meu ser.
O que segue não prevendo,
O que passou a esquecer.
Noto à margem do que li
O que julguei que senti.
Releio e digo: “Fui eu?”
Deus sabe, porque o escreveu.


Fernando Pessoa




sexta-feira, 12 de junho de 2015

pensamento da semana


O PS algum dia havia de dizer alguma coisa de jeito...


“É uma vergonha vender a TAP por metade do Jorge Jesus”, diz PS




morreu Sauroman (1922-2015)


Christopher Lee morreu no passado dia sete de Junho, mas só agora a sua morte foi divulgada.
De acordo com o Observador, terá sido a sua mulher desejar que tal acontecesse para que pudesse avisar primeiro a família e amigos próximos.

O site 9GAG numa curta infografia descreve-o como o homem mais cool que viveu à face da Terra e explica porquê e percebe-se bem porquê.




quarta-feira, 10 de junho de 2015

(a quase treta do) Dia de Portugal



Não sou muito fã do Dia de Portugal. Não sinto um particular afecto ou orgulho de ser português. Vale pelo seu feriado.

Quando viajo percebo que Portugal é um país calmo, lanzeirão e laparduço. Bom para viver.
Aceita sem protestar o que lhe fazem. Não tem que ser nem má, nem boa esta característica. Somos assim.

É quando ando por terras africanas, asiáticas ou americanas que por vezes percebo a excelência do país ao qual pertenço.

Mas é no regresso que essa percepção desaparece. Estou a comparar alhos com bugalhos.
A minha realidade, a realidade portuguesa, não tem que ser medida por outros continentes que culturalmente são estranhos, não comparáveis, mas sim com a realidade a que pertence ou pelo menos a que gostava de pertencer.

Nesse regresso quando faço o tal exercício mental de valorização do meu Portugal com o país que me acolheu durante algumas semanas, penso sempre que é com a Europa que ele tem que ser comparado. E aí ele perde. Não em toda a linha, mas em quase toda a linha.
Penso em termos de corrupção, transparência, confiança, solidariedade. Nos índices de pobreza, desemprego, escolarização, poder de compra, evolução tecnológica, acessibilidade à cultura, apoios sociais.

A qualidade de quem nos governa e a bolha opaca em que os nosso políticos e ex-políticos se fazem proteger é um entrave sério à sua transparência. A política é corporativista, a justiça parece corrompida.
E será sempre o povo a pagar os erros, a ganância, a incompetência, a deslealdade de quem nos governa ou desgovernou.
Os sindicatos são anacrónicos, as greves vulgarizaram-se, as manifestações tornaram-se fogachos voláteis, por grandes que elas sejam e os ideais lá morrem na praia.


Também é o dia das comunidades portuguesas. São cada vez mais o que se piram desta país para fora.
É-lhes negado a estabilidade, as oportunidades. O emprego é cada vez mais precário, os salários cada vez mais baixas mesmo para mão de obra qualificada.
É dificultada a compra ou o arrendamento de casas no seu país natal.

Os incentivos, o apoio à natalidade são praticamente nulos. É mais uma vez lá fora que encontram o que deixou de existir cá dentro.
Não sinto na pele o que é ser, o que é pertencer a uma comunidade portuguesa lá fora. Mas deve ser mau. A burocracia deve ser imensa, os apoios efectivos cada vez menores. Cada vez que viajo para fora da Europa sei que devo contar mais com países europeus, do que o meu.
Procuro saber qual a embaixada europeia que está presente nesses países mais do que a nacional.
Essa certamente não está presente.

O que este dia também representa é o dia de Camões. Este sim dá motivos de orgulho. Ao contrário das efémeras personalidades que proferem grandes e vazios discursos, que defendem o passado, os inevitáveis Descobrimentos, e pateticamente apontam caminhos para o futuro, Camões tem lugar no passado e terá no futuro. E a sua obra será imaculada.
E no entanto é completamente esquecido. Deste dia apenas consta o seu nome. Ninguém fala dele, ninguém declama a sua poesia, ninguém relata, muito envolta em nevoeiro, a sua vida.
Nenhum político relembra, fala do seu nome ou da sua obra.


No fundo este dia resume-se a manifestações bacocas de um poderio militar que não existe e que até está obsoleto.
Um favor condescendente que os senhores de Lisboa fazem, com a pretensão da descentralização, a uma cidade esquecida nos trezentos e sessenta e quatro dias dos ano.
Discursos políticos para políticos. Desinteressante e inúteis.

Não sou um admirador confesso de Camões, mas respeito tremendamente a sua obra e também perante ela faço a minha vénia.
Por isso neste boçal do dia Portugal, que inúmeras vezes será mencionado em vão, invoco Camões, o melhor e o mais ignorado deste esfarrapado dia, através dos seus sonetos:



Ditoso seja aquele que somente

Ditoso seja aquele que somente
Se queixa de amoras esquivanças,
Pois por elas não perde as esperanças
De poder n’algum tempo ser contente.

Ditoso seja quem, estando ausente,
Não sente mais que a pena das Lembranças,
Porque inda que se tema de mudança,
Menos se teme a dor quando se sente.

Ditoso seja, enfim, qualquer estado
Onde enganos, desprezos e isenção
Trazem o coração atormentado.

Mas triste quem se sente magoado
De erros em que não pode haver perdão,
Sem ficar n’alma a mágoa de secado.


Lembranças, que lembrais meu bem passado

Lembranças, que lembrais meu bem passado
para que sinta mais o mal presente:
deixai-me, se quereis, viver contente,
não me deixeis morrer em tal estado.

Mas se também de tudo está ordenado
viver, como se vê, tão descontente,
venha, se vier, o bem por acidente,
e dê a morte fim a meu cuidado.

Que muito milhor é perder a vida,
perdendo-se as lembranças da memória,
pois tanto dano faz o pensamento.

Assi que nada perde quem perdida
a esperança traz de sua glória,
se esta vida há-de ser sempre em tormento.



Alma minha gentil, que te partiste

Alma minha gentil, que te partiste
Tão cedo desta vida, descontente,
Repousa lá no Céu eternamente
E viva eu cá na terra sempre triste.

Se lá no assento etéreo, onde subiste,
Memória desta vida se consente,
Não te esqueças daquele amor ardente
Que já nos olhos meus tão puro viste.

E se vires que pode merecer-te
Algua cousa a dor que me ficou
Da mágoa, sem remédio, de perder-te,

Roga a Deus, que teus anos encurtou,
Que tão cedo de cá me leve a ver-te,
Quão cedo de meus olhos te levou.