Lucy não começa bem. Começa por obrigar logo a quem vê o filme a reconhecer nas primeiras imagens, apesar de explicado mais à frente, que o hominídeo que surge à nossa frente e que bebe água de um lago é Lucy.
Um australopitecos feminino, muito parecido com um chimpanzé, que já caminhava erecto.
Aqui subtilmente,
Luc Besson dá uma dica para o título do filme e o tema que ele aborda.
O mito urbano, falso, e portanto muito dado a teorias de crenças psíquicas e paranormais, que o nosso cérebro só usa 10% da sua capacidade e o que acontecerá quando um dia utilizarmos a suposta capacidade plena ou seja 100% dele.
Somos confrontados com a Lucy de vários milhões de anos por oposição à Lucy futurista que irá usar e que por caminhos tortuosos usufruir dos tais 100%.
Dois grandes nomes do cinema encabeçam Lucy.
O primeiro é Morgan Freeman, um grande Senhor do cinema, que patenteia, como sempre, uma grande segurança no desempenho de um professor de antropologia que dá palestras sobre as capacidades do cérebro. E
Scarlett Johansson que na verdade é mais uma cara (bem) bonita (e sensual) que podemos ver numa tela de cinema do que uma actriz de talento e méritos reconhecidos.
Scarlett Johansson começa mal e à medida que o tempo passa vai ficando menos mal. Mas não passa deste registo.
A cena de histeria quando confrontada com o super vilão coreano de Lucy, Mr Jang, é excessiva e portanto pouco convincente. Esforçou-se, deu o litro, mas não chegou a bom porto. Talvez a bordejar o overacting.
Quando as circunstâncias começam a dar-lhe meios e recursos para progressivamente aumentar a capacidade disponível do seu cérebro, Lucy torna-se mecânica, calculista e fria.
À sua insegurança e medo inicial começa a surgir a confiança absoluta de quem sabe que tem o controlo e o domínio total das situações que lhe surgem à frente.
Para quem a palavra mundo ganha um novo significado, novas interpretações, percepções e sensações, ser tão automatizada não faz sentido. Teria que ser mais "orgânica", mais vivencial, mais...humana.
Morgan Freeman é um narrador e simultâneamente orador que inicialmente passa despercebido, no argumento mas que entra em grande nele e cativa-nos desde logo.
Mas o seu papel vai ganhando dimensão e captando cada vez mais a nossa atenção porque é ele que descreve explica as transformações que Lucy sofre à medida que a sua capacidade cerebral aumenta.
É ele quem nos explica o que vai acontecendo e as consequências desse aumento que Lucy vai sentindo em si. Duas histórias paralelas que convergem para um único ponto. Os tais 100%.
Uma terceira personagem surge completamente desperdiçada e reduzida a único fito: violência. Sangue, muito sangue, tiros e mais tiros e muitas mortes. Mr Jang.
Papel desempenhado por
Mink-sik Choi que dentro das limitações que lhe colocaram, consegui montar um personagem muito convicente e constante ao logo de todo o filme.
Num filme detesto ver desperdiçadas suas duas grandes vertentes, à volta das quais todas outras orbitam. Azar. Lucy falha em ambas.
Primeiro o argumento. Poderia ser extremamente interessante e até foi por ele que fui ao cinema.
Foi mal trabalhado, mal desenvolvido, mal explorado com todas as suas muitas potencialidades a serem desperdiçadas.
Como um mal nunca vem só a outra grande vertente também falhou. A realização e tudo o que ela arrasta. Fotografia, efeitos especiais, direcção de actores.
A realização é monótona mesmo quando tenta imprimir acção como a perseguição de carros em Paris ou até todo o espalhafatoso tiroteio que antecede a entrada de Mr Jango na sala onde está Lucy prestes a atingir os famosos e esperados 100%.
Isto leva a uma categoria que é cara a Luc Besson e que este conseguiu plenamente em
O Quinto Elemento com uma excelente e igualmente atraente, a ucraniana
Mila Jojovich, mas que falharam clamorosamente em Lucy. Acção e efeitos especiais.
Foram simplórios, sem imaginativos e incapaz de nos fascinarem. E há falta de melhor, são eles que nos devem atirar para dentro do filme. Mas tal não acontece.
Por exemplo as cenas finais quando Lucy procura os últimos pózinhos de energia necessários para atingir a plenitude do seu cérebro. Luc Besson apresenta-nos uns tentáculos negros, tenebrosos, num cenário cujo ambiente que é de um branco imaculado. Será que não dava para melhor??
Quando o argumenta tenta entrar na filosofia, nas questões metafisicas, nas ligações cerebrais e sua complexidade, na evolução do ser humano, entra pelo cliché dentro sem nunca conseguir sair fora dele. Não consegue dar um ténue cheirinho de inovação.
Algo que para as mesmas circunstâncias, Terrence Malick e Lars Von Trier conseguem pensar e fazê-lo magistralmente.
Agora vale a pena ir ver o filme? Não muito.
Mas se formos fãns de Scarlett Joahnsson, Morgan Freeman (um bom motivo), admiradores de Luc Besson ou curiosos relativamente ao argumento, como o meu caso, talvez.
É potencialmente interessante ver como é que um realizador descalça a bota quando pretende abordar o famoso mito urbano dos tais 10% da capacidade cerebral.
Pior que uma má realização é o desperdiçar e desbaratar um argumento cheio de potencial. E Luc Besson conseguiu as duas coisas.
O que é natural. Porque foi também foi ele que fez ambas e ambas as desfez.