Mesmo no sossego, há inquietação. Na noite quando fecham os olhos, a alma não adormece. Anda ligeira por caminhos que não devia trilhar.
A nostalgia do que não tenho e que não sei que não tenho desenha quadros que iluminam o tecto escuro da noite.
Volto a fechar os olhos e paulatinamente encolho-me. Tento implodir. Ser um ponto. Pequenino, pequenino.
Mas a voz silenciosa descobre-me. Revivo o dia que acabou. Mais um dia em que não existi. Amanhã de manhã começará outro igual. Sem alma.
Choro lágrimas que não deviam ser choradas por ausência de um verdadeiro motivo para tal. Nem procuro saber porquê. Mas elas insistem em cair.
Tento ser forte todos os dias, renascer, sorrir para a luz, como a noite e o silêncio me sorriem e acolhem. Mas isso cansa-me cada vez mais todos os dias. Desajusta-me incessantemente. Sou uma pessoa feita de sombras e nevoeiros. Vou-me desligando a tudo e tento que não seja a todos.
Mantém-se a música.
Mantém-se Bernardo Sasseti. Fernando Pessoa ao piano. Regresso a ele.
É o meu refúgio invisível, o meu covil secreto. Escreve música para mim. Ele sabe o que penso e que sinto. Ele sabe o que preciso. Serenidade, essa coisa impossível.
Assina o dia a dia como eu gostaria de saber assinar. Num papel de pauta. Com música, em notas de música. Bonita, simples, elegante, envolvente e no entanto plena de complexidade.
Acertou em cheio em metade de mim.