sábado, 6 de setembro de 2014

uma música para o fim de semana - Couple Coffe


Após os excessos e algumas parvoíces do mês de Agosto, regressa-se à sobriedade e simplicidade no mês de Setembro.
Atravessamos o atlântico e vamos ao país do português  com sotaque. É de lá que os Couple Coffe vêm. Mas eles fizeram a viagem em sentido contrário.

Couple Coffee. (de onde terá vindo este nome?? por causa do café do Brasil??) são um casal brasileiro a viver em Portugal. Tocam em duo. Uma voz (Luanda Cozeti) e um baixo (Norton Daiello), apesar de actualmente terem um quarteto.




Tenho andado há algum para colocar uma música deles que hoje finalmente aparece neste fim de semana.
Gosto da presença da tal simplicidade que mencionei na frase inicial e da letra que é muito figurativa e fácil de a desenhar à medida que esta se desenrola.
Em Conversas de Botequim, com poema do boémio brasileiro Noel Rosa, a voz e o baixo parecem fundirem-se num só. Dois gémeos que sabem o que cada um quer dizer e dizem-no ao mesmo tempo.

Além que a introdução de Luanda, meio em jeito de scat bem ritmado, prende de imediato a nossa atenção para o que vem a seguir.

Muito fixe este tema. Um jazz que não é bem jazz mas que também sai fora da bossa nova.
É retirado do álbum Puro de 2005. O primeiro álbum gravado por este casal brasileiro.


Bom fim de semana :)




Seu garçom faça o favor de me trazer depressa 
Uma boa média que não seja requentada 
Um pão bem quente com manteiga à beça 
Um guardanapo e um copo d'água bem gelada 
Feche a porta da direita com muito cuidado 
Que eu não estou disposto a ficar exposto ao sol 
Vá perguntar ao seu freguês do lado 
Qual foi o resultado do futebol, futebol 

Se você ficar limpando a mesa 
Não me levanto nem pago a despesa 
Vá pedir ao seu patrão 
Uma caneta, um tinteiro, 
Um envelope e um cartão, 
Não se esqueça de me dar palitos 
E um cigarro pra espantar mosquitos 
Vá dizer ao charuteiro 
Que me empreste umas revistas, 
Um isqueiro e um cinzeiro 

Seu garçom faça o favor de me trazer depressa 
Uma boa média que não seja requentada 
Um pão bem quente com manteiga à beça 
Um guardanapo e um copo d'água bem gelada 
Feche a porta da direita com muito cuidado 
Que eu não estou disposto a ficar exposto ao sol 
Vá perguntar ao seu freguês do lado 
Qual foi o resultado do futebol, 

Telefone ao menos uma vez 
Para três quatro quatro três três três 
E ordene ao seu Osório 
Que me mande um guarda-chuva 
Aqui pro nosso, nosso escritório 
Seu garçom me empresta algum dinheiro 
Que eu deixei o meu com o bicheiro, 
Vá dizer ao seu gerente 
Que pendure esta despesa 
No cabide ali em frente 


quinta-feira, 4 de setembro de 2014

Canção de Setembro


September Song é uma das mais bonitas músicas compostas por Kurt Weil e com inúmeros covers em cima. Willie Nelson, Frank Sinatra, Lou Reed e Sara Vaughan foram alguns que de alguma maneira as tornaram também suas ao darem o seu cunho pessoal a esta música.
Chet Baker foi outro dos músicos que a inclui no seu reportório. Ele toca em duo com o guitarrista Kenny Burrel.

A introdução do guitarrista é tão suave e tímida que mal damos por ela. Está em fundo, parece distante e abafada pela cortina do palco como tivesse vergonha de aparecer em público. 
Logo a seguir surge Chet Baker com o trompete quase num registo de lamento, arrastado, sem pressa, sustentado por um fraseado simples e minimalista, bem ao jeito do trompetista.

Só é pena que este tema seja tão curto. Quando começamos a conhecer os pensamentos do trompete e já transportados por ele, Chet Baker cala-se.
Durante uns segundos ficamos na expectativa, na esperança que ele retome o seu lamento. Mas não, acaba mesmo. O trompete silencia-se precocemente e retira-se, deixando-nos sós.

Uma curta e muito bonita ode ao mês de Setembro, o mês que nos liberta do verão, que se iniciou esta semana.






terça-feira, 2 de setembro de 2014

conversas com o Abismo


conversas com o abismo

- Olá Humano.
- Olá Abismo.
- Porque me olhas dessa maneira?
- Atrais-me. Quero perceber-me.
- Quanto mais olhas para mim, mais eu olho para dentro de ti.
- Sei disso. É justo.
- E olhando-me consegues o que almejas?
- Parcialmente. És fundo e escuro. Um vazio.
- Tal como tu, Humano?
- Sim, como eu. Somos iguais. Mas tu és o que és e eu tornei-me assim.
- Mas és um ser escuro?
- Sei que não sou escuro, mas sinto-me escuro. Convenceram-me e convenci-me disso. Logo sou escuro.
- Humano, isso é uma grande contradição.
- Eu sei. Estou cheio delas.
- E vives bem com elas?
- Vivo. Acredito que ninguém é linear.
- Concordo contigo Humano. E pensas que és um vazio também??
- Sim. Sendo escuro, não vejo o meu fundo.
- Por isso olhas tanto para mim.
- Sim. Somos os dois vazios. De uma maneira intrinsecamente diferente mas vazios na mesma. Olhar-te é ver-me. Tento perceber-te para me perceber. Tento que sejas o meu espelho.
- Mas se não és escuro, apesar de te sentires e afirmares que és assim, não consegues enfrentar, lutar contra o que tu és, não o sendo?
- Tento. Tento todos os dias. Mas sou assim há tanto tempo que me tornei assim.
- Então essa luta diária drena a tua energia. Esgotas-te todos os dias.
- Sim. Muito mesmo, Abismo. Ando sempre mito cansado.
- E como descansas?
- Não descanso. Não consigo. Tento abrandar-me. Abrando-me nas lágrimas, na música ou esgotando-me fisicamente para a cabeça dar mais atenção ao corpo que a ela própria.
- E quem te magoa Humano?
- Eu principalmente e depois as pessoas. Não gosto de estar com pessoas. Não gosto delas. Nem de mim.
- Mas tu és uma pessoa. Não gostas de ti?
- Não. De modo nenhum.
- Porquê?
- Porque também me magoo.
- Fisicamente?
- Em tempos, sim. Agora não. É de outra maneira.
- Não percebo. Explica-me por favor.
- Sinto-me descontextualizado. Como um comboio que saiu fora dos carris normais e entrou nos laterais, pouco usados e não sabe como voltar aos iniciais. O seu avanço é lento e penoso, porque está perdido e não sabe como se encontrar.
- Hummm…
- Sinto-me como um louco que tem uma lógica muito dele que ninguém percebe. Mas na verdade não sou assim.
A diferença é que o verdadeiro louco não sabe que tem uma lógica própria porque acredita nela.
Para ele a sua lógica é a única possível e a única onde pode e sabe viver. São os outros que estão fora dela. Assim ele é auto-suficiente e imune ao exterior.
- Continua. Estou a ouvir-te.
- Também tenho a minha lógica própria, o meu toque de loucura. Que também não é a dominante, é diferente da que impera. Logo estou do lado de fora. Mas ter a consciência disso resulta numa exclusão e também numa auto-exclusão. Sou um louco mas sei que não o sou. Mas para os outros sim.
- Mais contradições.
- Disse-te que não era uma pessoa linear.
- Sim, lembro-me disso.
- Olhar para ti é bom. Não tens fundo ou é um fundo distante. Esvazias-me a cabeça. És o meu elemento absorvente da matemática. Como um deserto sem fim. Uma longa esteira amarela que seca e mirra os pensamentos.
- Dás-me vontade de sorrir, Humano.
- Bem podes fazê-lo.
- Tenho vontade, mas não sei como fazer. Os Abismos não sorriem. Porquê dizes isso???
- Ao contrário de ti, eu não sei o que sou. Só sei o que não sou.
- Compreendo-te.
- Creio que não Abismo. Há uma grande diferença entre nós. Tu és genuíno. És o que se espera de ti. És o que deves ser. Uma vertical descendente, longa e negra sem fim.
- Sim. Sei que sou um Abismo. É essa a minha natureza. Sempre o serei. Isso é reconfortante para mim. Saber o que devo ser e sê-lo.
- Fascinas-me por isso e também por isso gosto de olhar para ti.
- E saltares para os meus braços? Já pensaste nisso?
- Já. É tentador Abismo. Há quem o faça.
- Sim de facto há.
- Sabes que quem salta para dentro de ti não pretende morrer??
- Mais contradições???
- Não diria uma contradição mas sim um paradoxo. Quem o faz, acima de tudo pretende deixar de sofrer.
- Faz sentido. Mas resulta na sua morte de qualquer maneira.
- Um dano colateral permanente que resulta de uma lógica muito peculiar.
- Humano, não te percebi agora.
- A pretensão prioritária de um suicida é o parar de sofrer e não procurar a sua morte. Se bem que a solução encontrada inevitavelmente acaba por resultar nela.
Um suicida é na prática um assassino que atenta contra a vida de si próprio. É assassino e vítima em simultâneo.
- Curioso. Faz sentido.
- Sim faz. Mas para não sofrer não preciso de mergulhar em ti.
- O que necessitas em então?
- De Beleza.
- O que defines por Beleza?
- O que é delicado, frágil, que conforta. O que entra na minha alma e a pacifica. Como um leve perfume que entra em nós mas não nos invade nem fere o olfacto.
Como um céu estrelado numa noite límpida, aquele aroma a terra que se solta nas primeiras chuvas de Outono, uma pintura e uma escultura feitas por grandes mestres, uma paisagem deslumbrante, uma montanha nevada, uma música serena ou um livro bem escrito e cuja história fale comigo.
- Gosto da tua solução. Ela traz paz consigo. Consigo senti-la nas minhas profundezas, no meu âmago. E eu falo contigo?
- Sim, falas. Por isso me atrais tanto.
- Porque sou belo?
- Exactamente. E fascinante também.
- Por eu não ter fundo ou ele ser muito distante?
- É mesmo por isso.
- E não tens medo de mim, da queda, do preto que me pinta e que me pintam?
- Abismo, gosto tanto do Belo que nunca tenho medo Dele, qualquer que seja a sua forma. Mesmo que seja a tua. Quanto ao preto, não é uma cor de luto ou de dor. Já foi. O preto é elegância, discrição e distinção. Sofisticação até. E conforto.
- A apologia do preto.
- Nem mais. Há algo no preto que me atrai e me conforta. Sinto-me bem com ele e sem ele sinto a sua falta.
- Gosto de ti Humano. Afastas a solidão das minhas costas. Não foges de mim, nem saltas para mim. É um equilíbrio sábio.
- Obrigado Abismo. Também gosto de ti. Gosto da tua simplicidade. Do teu silêncio ouve-se o nosso. És o que és. Como o gato de Fernando Pessoa que brincava na rua.
- Volta um dia.
- Voltarei.


 Inkheart