Como não podia deixar de ser, a música para o fim de semana teria que ser do Carlos do Carmo.
Esta semana, ganhou, e foi o primeiro português a consegui-lo, o Grammy Latino por toda uma carreira dedicada à música, nomeadamente o fado.
Há uma canção que gosto particularmente dele, uma boa parte pela sua letra. A letra é escrita por Ary dos Santos. Um poeta e letrista que escreveu alguns dos poemas e letras mais fortes e sentidas da cultura portuguesas. Sobre a inconformidade, sobre a esperança, sobre o desejo.
Uma dessas letras/ poemas é Os Putos, um poema sobre a inocência de ser criança.
É sobre um bando de putos, livres, que vivem a sua inocência sem saberem o que seu futuro lhes reserva, a esperança que o seu país neles deposita.
São apenas crianças a viver a sua liberdade, a serem felizes por o serem.
No futuro, quando estiverem a cumpri-lo e a viverem a dita esperança, se a chegarem a ter, em vez de um pião e caricas, se o país permitir, terão um carro, uma casa e talvez filhos que com um pouco de sorte os conseguirão manter
Um dia serão enjaulados, estarão a cumprir horários castrantes, fechados na ironia dos "open space", serão pardais sem asas e sem bando. Sós no meio da multidão.
Nessa altura terão depressões, desespero, viverão o stress, serão hipócritas e se o conseguirem, terão que pisar os que estão ao seu lado, para não serem pisados.
Sentirão que estarão fora do seu tempo, não serão compreendidos e não compreenderão o que se passa à sua volta. Então voltarão a desejar a não ser adultos, a não serem homens.
Na altura em que o mundo é simples e os sonhos são todos possíveis e realizáveis. Quando uma bola, um charco talvez lamacento e um pôr do sol numa tarde que cai, é tudo o que precisam. Quando são felizes e não sabem que o são.
São putos.
Bom fim de semana :)
Os Putos
Uma bola de pano, num charco
Um sorriso traquina, um chuto
Na ladeira a correr, um arco
O céu no olhar, dum puto.
Uma fisga que atira, a esperança
Um pardal de calções, astuto
E a força de ser, criança
Contra a força dum chui, que é bruto.
Parecem bandos de pardais à solta
Os putos, os putos
São como índios, capitães da malta
Os putos, os putos
Mas quando a tarde cai
Vai-se a revolta
Sentam-se ao colo do pai
É a ternura que volta
E ouvem-no a falar do homem novo
São os putos deste povo
A aprenderem a ser homens.
As caricas brilhando, na mão
A vontade que salta, ao eixo
Um puto que diz, que não
Se a porrada vier, não deixo
Um berlinde abafado, na escola
Um pião na algibeira, sem cor
Um puto que pede, esmola
Porque a fome lhe abafa, a dor.
Parecem bandos de pardais à solta
Os putos, os putos
São como índios, capitães da malta
Os putos, os putos
Mas quando a tarde cai
Vai-se a revolta
Sentam-se ao colo do pai
É a ternura que volta
E ouvem-no a falar do homem novo
São os putos deste povo
A aprenderem a ser homens