Manuel de Oliveira, um músico vimaranense nascido em 1978, junta no quarto e mais recente álbum, Entre-Lugar, um belo e invulgar trio: viola braguesa, violoncelo e acordeão.
O próprio Manuel Oliveira toca a braguesa, o violoncelo está nas mãos de Sandra Martins e o acordeão é da responsabilidade de João Frade. Os três instrumentos têm personalidades bem diferentes e juntos criam uma atmosfera encantada de viagens.
A viola tem um som encantado que nos dá as mãos e nos leva atrás de si. Leva-nos pelos ares. Vemos pastagens, castelos, pomares, planícies e campos lavrados. Ribeiros e riachos. Vinhas de aromas de vinhos verdes, tintos e brancos. Imagino mouros, lendas e feitiços.
O violoncelo traz prestígio. É um som pausado, pousado. Solene e culto. É como conhecermos alguém sábio, um ancião, e nos sentamos perante ele para atentamente ouvirmos os seus dizeres, os seus ensinamentos, as suas histórias. Como diriam os franceses quando querem caracterizar, e lhes faltam as palavras, algo ou alguém que é misterioso, sedutor, intangível mas simultaneamente com presença: tem um je ne sais quoi.
Gosto imenso do som do acordeão quando este é levado a "sério", quando não é "assassinado" nas música, festas e bailaricos populares.
Tem um som característico. É fino, onírico e sofisticado. Bem tocado e em mãos capazes (João Frade), é sempre uma enorme mais valia a uma banda onde está integrado. Ele leva-nos à terra, ao essencial. Às casas caiadas, aos céus azuis, aos aromas da cozinha tradicional portuguesa, aos trajes tradicionais. É um instrumento luminoso. Estamos muito pouco habituados a ouvir um acordeão a soar desta maneira.
Dos oito temas que o álbum apresenta apenas O sopro é uma canção. Uma canção com assinatura. Cantada pelo fadista Marco Rodrigues, esta faixa é dedicada ao pai de Manuel de Oliveira, Aprígio Oliveira, seu mentor no estudo da guitarra e viola. Na verdade, Manuel Oliveira considera todo o álbum um render de homenagem ao pai que morreu em Março de 2018.
As duas últimas faixas são por sua vez dedicadas a Zeca Afonso e Paco de Lucía.
Escolho Vento Norte para a música para este fim de semana. É tudo o que escrevi acima. Sintam a brisa nortenha. O sol a nascer entre casas senhoriais feitas de grossas pedras. Galos a cantar a anunciar a manhã que chega. Os caminhos estreitos, rostos tisnados, envelhecidos e esculpidos por rugas. Lenços nas cabeça e enxadas na mão. Uma viagem que aborda o paganismo. Faz-me imaginar o Outono, as castanhas assadas e os gatos nas janelas decoradas com rendas brancas. Vento Norte tanto é festivo como adopta atitudes e gestos mais contidos.
Penso que é por isto tudo isto que gosto e aprecio tanto Entre-Lugar. Identifico-me e sinto intimidade com a música de Manuel de Oliveira. É um despertar dos sentidos. Deixar as cidades para trás, um regresso ao que é simples. Ter atenção ao que se passa à nossa volta. Desvendar segredos, cantos escondidos e novos lugares.
Bom fim de semana 😉
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