No que se trata de música, acontece-me frequentemente fazer grandes descobertas.
Quando refiro "grandes descobertas" pretendo dizer algo que me marca profundamente, algo que me impacta, que ficará sempre na minha memória, que fará parte de mim. No que se trata de música, acontece-me frequentemente fazer essas tais grandes descobertas.
Quase sempre elas acontecem naquela que foi a minha primeira paixão, o meu primeiro amor musical, e diz-se que não há amor como o primeiro, a música clássica.
Tchaikovsky, Beethoven, Mahler, Chopin, Pärt, são algumas, entre outras, dessas descobertas que degeneraram sempre em paixão por estes nomes. São nomes cujas obras recorro frequentemente em diversas ocasiões, quer sejam nas melhores ou nas piores delas. Usualmente nas piores. Ou seja, tendo a ouvi-las não raras vezes.
Há uns dias, fiz uma dessas descobertas: ouvi pela primeira vez a 3ª sinfonia do polaco Henryk Górecki. Atingiu-me em cheio. Fiquei siderado pela sua beleza, pela sua tristeza, pela sua austeridade. Pelo tom quente e espiritual desta sinfonia. Pura poesia. O nome pela qual é conhecida atira precisamente para esses estados de alma- Sinfonia das Canções Tristes, também conhecida pela Sinfonia das Lamentações. São três canções que evocam a maternidade e a perda de um filho.
Ao contrário do que é usual numa sinfonia, quatro movimentos, a terceira de Górecki tem três. Cada um deles representa uma canção, um episódio dessa perda, dessa despedida maternal.
O primeiro movimento representa Nossa Senhora, a mãe, aos pés da cruz chorando a morte do seu filho, Jesus Cristo. O segundo movimento baseia-se numa inscrição de uma filha, Helena Wanda Błażusiakowna de dezoito anos, para a sua mãe, encontrada numa parede de uma prisão Gestapo em Zakopane - "No, Mother. Do not weep. Most chaste Queen of Heaven, support me always. Ave Maria." O terceiro e último movimento é baseado numa canção do folclore polaco, onde também uma mãe chora a perda, enquanto procura o seu túmulo, de um filho morto durante a guerra da Silésia em 1919.
A sinfonia, tocada pela primeira vez em 1977, é de uma beleza inacreditável.
Górecki em 1995, durante uma entrevista à rádio norte-americana NPR, leu ao vivo uma carta de uma menina sueca de 14 anos, vítima de queimaduras severas durante um incêndio em sua casa onde perdeu a mãe, a dizer-lhe que a sua sinfonia tinha sido o grande motivo para ela viver. Isto diz tudo acerca do poder desta obra prima da música clássica contemporânea.
A pungência do terceiro movimento, é especialmente densa e tangível. Um assombro.
O texto que canta no terceiro movimento é dolorosamente belo:
Where has he gone
My dearest son?
Perhaps during the uprising
The cruel enemy killed him
Ah, you bad people
In the name of God, the most Holy,
Tell me, why did you kill
My son?
Never again
Will I have his support
Even if I cry
My old eyes out
Were my bitter tears
to create another River Oder
They would not restore to life
My son
He lies in his grave
and I know not where
Though I keep asking people
Everywhere
Perhaps the poor child
Lies in a rough ditch
and instead he could have been
lying in his warm bed
Oh, sing for him
God's little song-birds
Since his mother
Cannot find him
And you, God's little flowers
May you blossom all around
So that my son
May sleep happily
Sobre o sucesso e o impacto que esta sinfonia teve no público, bem mais que nos críticos na altura da sua estreia, Henryk Gorecki afirmou:
"Talvez as pessoas encontrem algo que precisam nesta peça musical.
De alguma forma toquei na nota certa, algo que tenham sentido que estava em falta."
Ouçam esta sinfonia pelo menos uma única vez. Fiquem a saber que ela existe.
Dêem-lhe a oportunidade tocar a vossa alma, de ser a vossa grande descoberta 🙂
Façam-no através da gravação da etiqueta Nonesuch com a Sinfonietta de Londres, dirigida por David Zinman e com a voz da soprano Dawn Upshaw. Ou seja, exactamente a gravação que é apresentada aqui.
Por esta altura já ouvi outras gravações, com outras sopranos a cantarem estas três canções mas nenhuma tem a doçura, o tom quente e glorioso de Upshaw e a delicadeza da direcção de Zinman.
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