O último dia do ano
Não é o último dia do tempo.
Outros dias virão
E novas coxas e ventres te comunicarão o calor da vida.
Beijarás bocas, rasgarás papéis,
Farás viagens e tantas celebrações
De aniversário, formatura, promoção, glória, doce morte com sinfonia
E coral,
Que o tempo ficará repleto e não ouvirás o clamor,
Os irreparáveis uivos
Do lobo, na solidão.
O último dia do tempo
Não é o último dia de tudo.
Fica sempre uma franja de vida
Onde se sentam dois homens.
Um homem e seu contrário,
Uma mulher e seu pé,
Um corpo e sua memória,
Um olho e seu brilho,
Uma voz e seu eco.
E quem sabe até se Deus…
Recebe com simplicidade este presente do acaso.
Mereceste viver mais um ano.
Desejarias viver sempre e esgotar a borra dos séculos.
Teu pai morreu, teu avô também.
Em ti mesmo muita coisa, já se expirou, outras espreitam a morte,
Mas estás vivo. Ainda uma vez estás vivo,
E de copo na mão
Esperas amanhecer.
O recurso de se embriagar.
O recurso da dança e do grito,
O recurso da bola colorida,
O recurso de Kant e da poesia,
Todos eles… e nenhum resolve.
Surge a manhã de um novo ano.
As coisas estão limpas, ordenadas.
O corpo gasto renova-se em espuma.
Todos os sentidos alerta funcionam.
A boca está comendo vida.
A boca está entupida de vida.
A vida escorre da boca,
Lambuza as mãos, a calçada.
A vida é gorda, oleosa, mortal, sub-reptícia.
It was Christmas Eve, babe
In the drunk tank
An old man said to me
"Won't see another one"
And then he sang a song
'The Rare Old Mountain Dew'
I turned my face away
And dreamed about you
Got on a lucky one
Came in eighteen-to-one
I've got a feeling
This year's for me and you
So, Happy Christmas
I love you, baby
I can see a better time
When all our dreams come true
"They've got cars big as bars
They've got rivers of gold
But the wind goes right through you;
It's no place for the old
When you first took my hand
On a cold Christmas Eve
You promised me Broadway
Was waiting for me
"You were handsome!" "You were pretty
Queen of New York City"
When the band finished playing
They howled out for more
Sinatra was swinging
All the drunks, they were singing
We kissed on a corner
Then danced through the night
The boys of the NYPD choir
Were singing 'Galway Bay'
And the bells were ringing out
For Christmas day
"You're a bum, you're a punk"
"You're an old slut on junk
Lying there almost dead
On a drip in that bed"
"You scumbag, you maggot
You cheap lousy faggot
Happy Christmas, your arse
I pray God it's our last"
The boys of the NYPD choir
Still singing "Galway Bay"
And the bells are ringing out
For Christmas day
"I could have been someone"
"Well, so could anyone
You took my dreams from me
When I first found you"
"I kept them with me, babe
I put them with my own
Can't make it all alone
I've built my dreams around you"
The boys of the NYPD choir
Still singing "Galway Bay"
And the bells are ringing out
For Christmas day
A dor, a tristeza profunda, podem produzir coisas muito, muito bonitas e profundamente cartáticas.
E na catarse de outros por vezes reencontramos formas de aconchego importante.
Ghosteeen, o mais recente álbum de Nick Cave and the Bad Seeds, lançado nos primeiros dias de 2019, foi primeiro a ser lançado depois da morte do seu filho em 2015.
Em Ghosteen - o seu filho Arthur com morreu com quinze anos (fifteen) - Nick Cave abraçou explicitamente a dor da perda. Explicou ao mundo o que sentia e ilustrou essa explicação em sonoridades minimalistas mas cheias de emoção, de dor e de fantasia. E de muita beleza.
Ghosteen prova aquilo em que profundamente acredito: que a tristeza é um poderoso catalisador de beleza. Algumas das coisas mais bonitas, mais poderosas e marcantes que a humanidade produziu foi sob a influência da perda.
Concordo com Nick Cave: suavizemos a perda, dar-lhe uma forma bonita e enlevada "little white shape dancing at the end of the hall" mas depois há a realidade dura, seca, implacável que não pode ser ignorada "Is just a wish that time can't dissolve at all."
Bright Horses é pura catarse mas também a canção mais bonita de 2019.
The bright horses have broken free from the fields
They are horses of love, their manes full of fire
They are parting the cities, those bright burning horses
And everyone is hiding, and no one makes a sound
And I'm by your side and I'm holding your hand
Bright horses of wonder springing from your burning hand
And everyone has a heart and it's calling for something
We're all so sick and tired of seeing things as they are
Horses are just horses and their manes aren't full of fire
The fields are just fields, and there ain't no Lord
And everyone is hidden, and everyone is cruel
And there's no shortage of tyrants, and no shortage of fools
And the little white shape dancing at the end of the hall
Is just a wish that time can't dissolve at all
Oh, oh, oh
Oh, oh, oh, well, this world is plain to see
It don't mean we can't believe in something, and anyway
My baby's coming back now on the next train
I can hear the whistle blowing, I can hear the mighty roar
I can hear the horses prancing in the pastures of the Lord
Oh the train is coming, and I'm standing here to see
As suas últimas palavras terão sido: - dá-me os óculos.
Na cómoda do leito de morte deixava escrito uma nota em inglês: - I know not what tomorrow will bring
A simplicidade dos seus últimos momentos correspondem à vida que levou: simples, modesta, despojada de bens materiais. Uma vida dedicada às letras, às revistas, à poesia e à traduções.
Uma vida solitária, como desejava, melancólica como era.
Faz hoje 84 anos que um dos meu melhores amigos e a pessoa que melhor me compreendeu partiu. Em 30 de Novembro de 1935, Fernando Pessoa morria, talvez, de cirrose hepática.
Dorme enquanto eu velo...
Dorme enquanto eu velo... Deixa-me sonhar... Nada em mim é risonho. Quero-te para sonho, Não para te amar.
A tua carne calma É fria em meu querer. Os meus desejos são cansaços. Nem quero ter nos braços Meu sonho do teu ser.
Dorme, dorme, dorme, Vaga em teu sorrir... Sonho-te tão atento Que o sonho é encantamento E eu sonho sem sentir.
Homem do teatro, do cinema, mas acima de tudo da música, da poesia, de língua solta e sempre perspicaz.
José Mário Branco era um dos pilares, um dos maiores, da música popular portuguesa.
Partiu ontem do mundo terreno aos 77 anos. Fica o seu maior legado: a música
A minha preferida dele: Inquietação. O que ele era. Definitavamente.
A Esteira chega aos dez anos de vida quase num estertor.
No último ano praticamente caiu uma das suas rubricas emblema: Uma música para o fim de semana.
Durante cerca de sete anos e meio, semanalmente, aos sábados, havia sempre uma música proposta para o fim de semana.
Na esmagadora maioria das vezes essa proposta era de músicos nacionais ou originários de países de língua portuguesa e era acompanhada de um texto que descrevia o motivo dessa escolha e sempre que possível a letra da mesma era colocada.
Admito que saturei um pouco deste formato. Apesar de existir bons e grande nomes de músicos e bandas nacionais, não sou um seguidor feroz das várias vertentes da música nacional.
Entretanto a Esteira tem trilhado um novo caminho que fala muito comigo e está presente em todos os momentos da minha vida, no meu dia a dia: o amor, o carinho, a necessidade de proteger a minha, a nossa casa, a bela Terra.
Chamar a atenção para a forma como a fazemos sofrer, como a maltratamos, como ignoramos os seus lamentos. Chamar a atenção para a forma como somos descuidados para com ela, como somos egoístas e destrutivos. Agimos como se ela fosse nossa quando é verdadeiramente o contrário.
Bem de qualquer maneira, hoje a Esteira celebra dez anos de vida.
Chamo ao palco da Esteira, um dos nomes que várias vezes apareceu em Uma música para o fim de semana: Paulo de Carvalho.
Este enorme senhor da música portuguesa está acompanhado de outro nome que muitas vezes, senão o que mais vezes apareceu, pisou o palco da Esteira: Rui Velos.
"10 anos é muito tempo, muitos dias, muitas horas a..."
E sou dos que acreditam dos que já não vamos a tempo de reverter as alterações climáticas.
Vamos pagar um preço caro pela nossa falta de inteligência e inércia nesta matéria.
Se há dia desejado em todo o ano, é o dia de hoje. O dia da chegada do Outono.
Aquele dia incrível em que dia e noite se igualam para depois a noite prevalecer sobre o dia até à chegada do solstício de Inverno.
É um dia de liberdade. O verão deixa cair as suas grilhetas. As grilhetas do calor excessivo, da luz forte que nos obriga a usar óculos escuros que tudo mascara e esconde, das noites mal dormidas e desconfortáveis.
Agora a natureza mostra as suas cores mais belas e liberta os seus melhores aromas. Hoje é o dia mais bonito de todos, o mais cheio de música, de poesia,
E não conheço melhor género músical mais capaz de ilustrar este dia que o jazz.
A nostaslgia mas não a tristeza, o tempo que corre sem pressa, sem obrigações, a suprema beleza das cores outonais, o lento cair das folhas amarelo alaranjadas, num fogueado sem perigo, o conforto das roupas mais acolhedoras.
O saxofonista alto Lou Donaldson e o seu quarteto com Herman Foster no piano, Peck Morrison em contrabaixo e Dave Bailey atrás da bateria, são maravilhosos na sua descrição de uma noite de Outono.
Que bom que chegaste, Outono
Talvez a seguir a blues, a palavra que mais se associa a B. B. King é Lucille.
A história da Lucille é sobejamente conhecida, mas não será por isso que ela deixará de ser escrita, lida ou ouvida. E para lê-la, ouvir e escrever
1949. B. B. King teria vinte cinco anos e em pleno inverno tocava num bar em Arkansas. Para aquecer o ambiente decide-se fazer um pilha de madeira e jornais velhos. A pilha é acendida com gasolina e ela arde bem.
Subitamente dois homens inciam uma luta entre si e espalham esta pilha, esta fogueira que flamejava. Enquanto lutavam a fogueira espalhou-se e o incêndio atingiu todo o bar.
B. B. King foge a tempo. No entanto deixa para trás a sua gibson e decide voltar ao braseiro para ir a buscar.
No rescaldo do incêndio descobriu-se que os dois homens tinha morrido e que tinha sido por causa de uma mulher chamada Lucille que a briga tinha começado.
O bluesman para se recordar do gesto que quase lhe custou a vida, decide baptizar não só aquela guitarra, mas todas as suas guitarras, com o nome da mulher por quem tudo tinha começado: Lucille.
A canção Lucille é uma conversa, uma declaração lindíssima de amor, de gratidão à sua guitarra, ao que ela fez por si.
B. B. King nasceu há 94 anos e o Google tem um doodle bem fixe para nos recordar a todos desta lenda da música, em particular dos blues.
Tive o supremo privilégio de o ouvir tocar ao vivo no dia 4 Julho de 1998, na Expo 98, no pavilhão da América.
The sound that you're listening to Is from my guitar that's named LucilleI'm very crazy about Lucille, Lucille took me from the plantationOr you might say, brought me fameI don't think I could just talk enough about LucilleSometime when I'm blue seem like Lucille try to help me call my nameI used to sing spirituals and I thought that this Was the thing that I wanted to do But somehow or other When I went in the army I picked up on Lucille, and started the singing bluesWell, now when I'm paying my dues, Maybe you don't know what I mean when I say paying dues, I mean when things are bad with meI can always, I can always, you know like, depend on LucilleSort of hard to talk to you myselfI guess I'll let Lucille say a few words and thenYou know, I doubt if you can feel it like I doBut when I think about the things that I've gone through,Like, well for instance, if I have a girlfriend and she misuses me,And I go home at night, maybe I'm lonely Well not maybe, I am lonely, I pick up LucilleAnd it bring out those funny sounds that sound good to me, you know?Sometime I get to the place where I can't even say nothingLook outSometime I think it's cryingYou know, if I could sing pop tunes like Frank Sinatra or, Sammy Davis Junior, I don't think I still could do it, 'Cause Lucille don't wanna play nothing but the bluesAnd I think I'm, I think I'm pretty glad about that'Cause don't nobody sing to me like LucilleSing, LucilleWell, I'll put it like this, take it easy, LucilleI like the way Sammy sings and I like the way Frank sings, But I can get a little Frank, Sammy, A little Ray Charles, in fact all the people with soul in thisA little Mahalia Jackson in thereOne more, Lucille!Take it easy now, ah!You know, I imagine a lot of you wanna know, A lot of you wanna know why I call the guitar Lucille Lucille has practically saved my life two or three times No kidding, it really hasI remember once I was in an automobile accident, andWhen the car stopped turning over, it fell over on Lucille, And it held it up off me, really, it held it up off me So that's one time it saved my lifeThe way, the way I came by the name of Lucille, I was Over in Twist, Arkansas, I know you've never heard of that one, have you? And one night the guys started a ball over there, you know, started brawling, you know what I meanAnd the guy that was mad with his old lady, When she fell over on this gas tank that was burning for heat, The gas ran all over the floorAnd when the gas ran all over the floor, the buildingCaught on fire, and almost burned me up trying to save LucilleOh I, I imagine you're still wondering why I call it LucilleThe lady that started that brawl that night was named LucilleAnd that's been Lucille ever since to meOne more now, LucilleSounds pretty good to me. Can I do one more?Look out, LucilleSounds pretty good. I think I'll try one more All right
Começa como um arrepio em surdina que nos faz vibrar, arrepiar talvez.
Quando a voz de Scott ecoa remete-nos para algo fúnebre, um mundo espectral, sombrio, um misterioso limbo vocal que nos agarra e retém.
Farmer in the City é uma homenagem a Pier Paolo Pasolini.
Na letra, a insistente alusão ao número 21 refere-se à idade com que um protegido de Pasolini, Ninetto Davoli, foi recrutado para o exército italiano onde mais tarde desertaria.
Esta canção atrai-me como uma traça para a luz. Ou neste caso, ausência dela.