Açoriana, nascida em São Miguel no dia 13 de Setembro de 1923. Celebra-se hoje o centenário do seu nascimento.
Profundamente acutilante, inconformada e sobressaltada, Natália Correia não tinha papas na língua e respondia a provocações com versos. Era uma desafiadora de eleição e uma feminista à frente do seu tempo.
A sua participação na política teve sempre por fim, o combate à ditadura, à resitência anti-fascista e à censura.
Em 1966 foi condenada a três anos de prisão com pena suspensa por atentado ao pudor quando organizou a Antologia da Poesia Portuguesa Erótica e Satírica. Quando foi chamada a tribunal Natália Correia que tinha preparado como defesa um poema chamdo A Defesa do Poeta, tendo sido aconselhada pelo seu advogado a não o ler, o que veio a acontecer.
Em 1972 viria a ter de novo problemas com a justiça portuguesa ao participar na edição de um livro marcante, Novas Cartas Portuguesas, onde se abordava o feminismo, os direitos e a sexualidade das mulheres.
No ramos das letras os seus interesses eram multiplos. Por debaixo da sua pena passou alguma da melhor poesia, romance, ensaios, peças de teatro e jornalismo que Portugal viu (e ainda vê) em muito tempo.
A sua última causa a que se dedicaria foi a da cultura, em 1992. É famoso episódio em que juntamente com José Saramago e David Mourão Ferreira colide frontalmente com o secretário de estado e subsecretário de estado da cultura, Pedro Santana Lopes e José Sousa Lara do governo de Cavaco Silva. Estava em causa na altura a aplicação do IVA aos livros e o boicote de de Sousa Lara à candidatura de O Evangelho Segundo Jesus Cristo, de Saramago a um concurso literário.
O seu poema Queixa das Jovens Almas Censuradas, musicado e interpretado por José Mário Branco, uma mordedura feroz na ditadura, foi um dos vários sinais que foram transmitidos pela rádio de que a revolução de 1974 estava em curso.
Natália Correia, morre a 19 de Março de 1993, vítima de ataque de coração aos 69 anos.
Queixa das Jovens Almas Censuradas
Dão-nos um lírio e um canivete
e uma alma para ir à escola
mais um letreiro que promete
raízes, hastes e corola
Dão-nos um mapa imaginário
que tem a forma de uma cidade
mais um relógio e um calendário
onde não vem a nossa idade
Dão-nos a honra de manequim
para dar corda à nossa ausência.
Dão-nos um prémio de ser assim
sem pecado e sem inocência
Dão-nos um barco e um chapéu
para tirarmos o retrato
Dão-nos bilhetes para o céu
levado à cena num teatro
Penteiam-nos os crâneos ermos
com as cabeleiras das avós
para jamais nos parecermos
connosco quando estamos sós
Dão-nos um bolo que é a história
da nossa historia sem enredo
e não nos soa na memória
outra palavra que o medo
Temos fantasmas tão educados
que adormecemos no seu ombro
somos vazios despovoados
de personagens de assombro
Dão-nos a capa do evangelho
e um pacote de tabaco
dão-nos um pente e um espelho
pra pentearmos um macaco
Dão-nos um cravo preso à cabeça
e uma cabeça presa à cintura
para que o corpo não pareça
a forma da alma que o procura
Dão-nos um esquife feito de ferro
com embutidos de diamante
para organizar já o enterro
do nosso corpo mais adiante
Dão-nos um nome e um jornal
um avião e um violino
mas não nos dão o animal
que espeta os cornos no destino
Dão-nos marujos de papelão
com carimbo no passaporte
por isso a nossa dimensão
não é a vida, nem é a morte
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