Numa recente entrevista dada ao jornal de literatura Porque Escreves?, Inkheart, diz que não nasceu, não tem nome. Tem uma alcunha.
Admitiu que é fascinado, pelo mundo das sombras, pela ausência de cor, pelos caminhos tortuosos e pela raiva. É atraído pelo vazio, porque é o vazio que o preenche.
A morte é algo que lhe atrai porque não consegue compreende-la. Vê-a com uma libertação. O fundo suave e almofadado de um poço negro.
Em tempos já a testou, já a procurou vária vezes, apesar de não ter sido aceite por ela. Agora não.
- "Um dia Ela há-de me encontrar e explicar-me o vazio de que sou feito."
Gosta de poesia, gosta de pequenos contos. Tal como as curtas metragens, afirma que é uma arte difícil de dominar, de ser concebida.
Num curto espaço de tempo, num curto espaço de palavras, tem que se desenvolver uma narrativa, eventualmente até uma personagem, Tem que ter um fim, Mesmo que seja fins abertos. Fins que não são fins.
Nessa mesma entrevista, afirmou-se como um poço de contradições, mas pouco interessado em explicá-las ou até desfaze-las.
Não acredita em explicações porque elas atropelam-se a si próprias. São confusas e pouco interessantes. Além que quem as pede, não as percebe, porque não são as querem ouvir.
Porque quem as faz, cede à tentação de o conduzir por caminhos que não são os seus, do que deixar ser o que é.
- "Não gosto de responder a perguntas pessoais porque sistematicamente elas são intrusivas."
Inkheart acrescenta:
"A eloquência do silêncio, o seu grito, o olhar, as expressões, são mais esclarecedoras que longas frases. Porque elas vêm do intimo, do âmago. São intrínsecas. Mas essas subtilezas não são entendidas por quem pede explicações. Quem precisa de explicações sobre o que somos, precisa da superficialidade. Não usa os olhos da alma. Prefere usar os olhos dos ouvidos."
Lombadas de Folhas, o jornalista, pergunta-lhe como Inkheart se define, como se vê ele próprio, nas suas próprias palavras.
- "Defino-me como um borrão de tinta da china caído sobre uma folha de papel"
Uma caneta preta de tinta preta, não para de rodar por entre os seus dedos.
- "É das suas ramificações espalhadas que nascem as letras com que escrevo. Por isso escrevo linearmente, despreocupadamente, frequentemente sem preocupações estéticas ou formais.
Gosto do ritmo e do colorido das rimas, de andar ao sabor delas como um vagabundo que salta de rua em rua, à procura de nada."
Lombadas faz uma última pergunta.
- Quais os poetas que gosta mais?
- Fernando Pessoa, Florbela Espanca e António Aleixo
O jornalista abanou a cabeça para cima e para baixo porque tinha compreendido o alcance e a abrangência daquela resposta, assim como a diversidade que ela implicava.
- Sente que é influenciado por estes três poetas?
- Não. Se fosse, nem sequer saberia o que com fazer elas. - Acabámos?
O jornalista disse que sim e reparou pela primeira vez que escorria tinta negra pelas pernas da cadeira, como se elas sangrassem. Também reparou que a tinta não manchava a madeira, nem o chão de negro apesar da sua abundância.
Indistinto
o segredo
com medo
apontou o dedo
ao arvoredo
mas ele caiu,
até sei que admitiu,
que fingiu que riu,
e que nada sentiu
mas o espanto,
daquele pequeno recanto,
é de procurar tanto,
o seu grande encanto
o seu grande encanto
o que não é meu
de todo serei eu
o muito que tremeu
por nada se pareceu
por nada se pareceu
não queriam que fosse o que sou
o ramo onde o pássaro não poisou
o ramo onde o pássaro não poisou
o chão que ninguém pisou
e a tinta do parque que não secou
e a tinta do parque que não secou
Inkheart
Não pode ser preenchido pelo Vazio ou não sairiam coisas tão belas do seu interior.
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