terça-feira, 10 de fevereiro de 2015

Grande Ecrã - Boyhood (Momentos de Uma Vida)


Boyhood é um filme marcante. Talvez mais do que isso. Transcendental.
É um exercício poderoso e inédito de cinema.

Durante doze anos e em segredo, Richard Linklater filmou uma semana por ano. Sempre com os mesmos actores.
Se alguns à partida tinham arcaboiço, a experiência e logo as garantias necessárias para o conseguir fazer, tal como Ethan Hawke e Patricia Arquette, outros foram tiros no escuro.
Os irmãos que quando começaram as filmagens andavam na casa dos cinco ou seis anos, Ellar Coltrane (Mason) e a filha do director, Lorelei Linklater (Samantha) acabaram na casa dos dezoito anos.

Planear um filme a doze anos é obra. Tem que se pensar o argumento em termos de uma palavra chave: evolução.
Evolução à medida que os actores literalmente crescem física e psicologicamente, à medida que evoluem como actores, a evolução do próprio realizador, que o mundo também evolui e se modifica, filmar à medida que a tecnologia que vai rodeando o filme evolui.
Alias é através dos saltos da tecnologia, elegantemente inseridos, que percebemos que o tempo da filmagem deu igualmente o salto.

No entanto Linklater tem que conhecer e pensar com a devida antecedência, que desafios, dúvidas, medos e frustrações enfrenta uma criança até chegar à fase madura.
Isto implica as relações com a família, que está longe de ser estática e estável, as relações entre irmãos, colegas de escola e amores e desamores.
A edição/ montagem é de excelência. Criar uma narrativa coerente ao longo de doze anos não deve ser mesmo fácil.

Ethan Hawke é extraordinariamente estável. Quer ao nível do seu desempenho ao longo do filme - não esquecer que são doze anos - quer ao nível de como (quase não) muda fisicamente durante todo o tempo de filmagem.
Talvez devido a toda esta estabilidade, ele é um elemento interventivo e estabilizador nas vidas dos seus filhos, apesar de ser um pai divorciado, passa aparentemente despercebido nas três horas que o filme dura.

A par de Mason, Patricia Arquete é uma das personagens mais interessante de seguir.
O seu papel enquanto mãe e depois profissional de sucesso, tem avanços e retrocessos. A sua vida psicológica e afectiva é inconstante.
A necessidade de ser mãe e educadora canibaliza durante algum tempo a necessidade de se realizar profissionalmente. Quando decide libertar-se deste colete de forças e assumir a necessidade profissional
 A sua aparência durante o filme sofre alterações significativas. De novo, não esquecer que se trata de um filme que durou doze anos a ser filmado.

Num filme que aborda os clássicos temas de famílias disfuncionais e problemas de adolescência, a câmara de Linklater segue particularmente de perto os irmãos Mason e Samantha, especialmente Mason. É por ele que passa a maior linha condutora do filme, o que é justo.

O Mason de Ellar Coltrane é o que mais evidência a passagem do tempo, a sua evolução como pessoa e actor e por ele passa as maiores mudanças e conflitos entre a criança, puberdade e adolescência. Perdido entre o ser e não ser. É o que tem a lógica de pensamento mais esclarecida e mais consciente de si próprio.
Curiosamente nos primeiros anos mal se nota a evolução física do actor, tornando-se cada vez mais evidente essa mesma evolução nos últimos anos, à medida que o filme se aproxima do seu terminus.

Samantha é a que trás menor valor acrescentado. É uma personagem pouco desenvolvida quer pelo argumento quer por Lorelei Linklater. Carrega em si uma certa monotonia que faz por vezes esquecer que ela existe.

Como exercício de cinema, Boyhood é fascinante. Mas estritamente enquanto argumento e realização, as suas linhas directivas são seguras, constantes, mas normais. Não é por aqui que se destaca.
É pelo novo conceito de cinema que introduz.
Por isso torna-se uma experiência única e absolutamente imperdível. E ficamos na vã esperança que daqui a doze anos surja o Boyhood II.





Um cheirinho de como o filme foi feito através de rápidas entrevistas dadas pelas principais personagens de Boyhood. Entre elas, o realizador.





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