quinta-feira, 17 de abril de 2014

Grande Ecrã - A Grande Beleza


A Grande Beleza dificilmente consegue cativar alguém nos primeiros minutos.
Um grupo de turistas, talvez japoneses, com tudo aquilo que os caracteriza: em grupo, um tradutor e máquinas fotográficas. Um deles afasta-se e subitamente morre. Sem explicações.
Durante esta introdução temos longos travelings, algo pretensiosos, algo desnecessários e até supérfluos.

Depois sem transição vê-mo-nos a assistir a uma festa num terraço de Roma com o claro patrocínio e olhar da Martini.
Aos poucos e poucos vamos conhecendo Jep Gambardella, encarnado brilhantemente por Toni Servillo. Um sedutor de 65 anos, escritor de um só livro, mas marcante, um homem assumidamente mundano e de mundanidades.

Pelos seus olhos vamos assistindo à decomposição, à decrepitude da classe alta de Roma. À sua superficialidade, à sua decadência, à sua banalidade e pseudo-intelectualidade.
Jep pertence a este mundo. Há muitos anos que o é, e é uma das suas figuras mais proeminentes.
Mas mantém relativamente a ele, uma certa distância crítica, observadora, algo cínica e bastante lúcida. Sabe que pertence a este mundo, mas não se revê nele. É o Nada.
O motivo pelo qual não consegue voltar a escrever várias décadas após ter escrito o livro que o tornou famoso, O Aparelho Humano. Não consegue escrever sobre esse mundo, o seu mundo, porque este se baseia no Nada, explicará mais tarde quando lhe perguntam.pela enésima vez porque não escreveu um segundo livro.

Uma das grandes viragens no filme foram as tertúlias surpreendentemente filosóficas e acutilantes realizadas pelas mesmas pessoas que orbitam no universo de moribundo das elites romanas.
Particularmente uma em que Jep literalmente mostra a Stefania que quem tem telhados vidro não atira pedras ao vizinho. O diálogo, a desconstrução dos argumentos desta, foi cru, incisivo, implacável. No entanto apesar disto sente-se que houve diplomacia nele. Que houve algum cuidado em expor as aparências (porque é disso que mais uma vez se trata), não em destruir a pessoa em causa, apenas a "despir".

Talvez ao longo do filme, apenas um contra, um excesso, um ponto negativo a partir do qual o filme não se curaria. A entrada em cena da irmã Maria, a Santa. Não traz valor acrescentado. É um devaneio displicente e artificial que não se justifica e que no limite não faz sentido.

A comparação com Dolce Vita de Fellini (tive a sorte de o ver) é inevitável mas diria escusada.
Se é verdade que cada um dos realizadores mostra a mesma cidade, Roma, nos seus filmes, as suas visões são opostas.
Através dos seus olhos vemos uma Roma coerente com os tempos em que ambos foram realizados.
É uma Roma bela que Paolo Sorrentino nos apresenta. Mas é o seu lado B. Também ela decadente, superficial, obscura e cheia de segredos como a visão que Jep Gambardella tem dos ambientes e personagens com quem convive.
Fellini, apresenta-nos também uma Roma bela e monumental. Mas pelo contrário esta é sensual, é o centro do mundo, cheia de paparazzi, exuberante, luminosa, longe da escuridão e da cansada decadência de Sorrentino.


Um filme que parecia inicialmente, confuso, estranho e por vezes despropositado e sem nexo vai ganhando corpo, coerência, para depois se entranhar e consolidar e até em determinados momentos nos fascinar.
Para chegar a este ponto é preciso esperar que ele vá decorrendo. Exige a nossa atenção.
As impressões do filme foram mudando em mim à medida que o argumento avançava.
Desinteressante, descrente nele, aos poucos e poucos começou a fazer sentido. A realização começou também ela a fazer sentido, começamos as conhecer cada uma das personalidades envolvidas neste mundo, os diálogos tornaram-se mais consistentes, com mais conteúdo e menos superficiais mesmo sendo proferidos por pessoas superficiais.

Depois de ver a Grande Beleza continuo a pensar que o cinema italiano é o melhor representante do cinema não anglo-saxónico.
Apesar de ter ganho o Óscar para melhor filme estrangeiro este ano, Paolo Sorrentino ainda não tem o peso de Fellini, Pasolini, Etore Scola e Giusepe Tornatore, mas não deixa o cinema italiano em mãos e créditos alheios.




1 comentário:

  1. É um grande filme, aborda muitas vertentes do ser humano: " se fosse magico era eu q desaparecia" "quando estamos tristes queremos q alguém nos conte uma historia para nos sentirmos meninos novamente", o q é a arte? alguem a bater com a cabeça nas paredes? quando estamos mal voltamos para as nossas origens na esperança de nos sentirmos em "casa" onde outrora fomos tão felizes? ou vamos para festas e pelo menos por uma noite deixamos de pensar? ou nunca enfrentamos o q está à nossa volta pq temos medo do que temos de ver e então entretemo-nos a ver o dos outros e a critica-los, é isto viver e o mais dificil é viver a saber tudo isto, é bom surgirem estas pérolas q nos mostram q há pessoas que também sabem o quanto é dificil viver a saber tudo isto. É um grande filme!

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