quinta-feira, 15 de dezembro de 2022

um poema de... João Luís Barreto Guimarães


O médico cirurgião plástico, poeta, escritor e tradutor, João Luís Barreto Guimarães ganhou hoje o prémio Fernando Pessoa 2022. Uma iniciativa do jornal Expresso que teve a sua primeira edição em 1987 e pretende distinguir portuguesas e portugueses com percurso relevante nas áreas culturais e científicas da vida nacional.

Nascido no Porto em 1967, viu o seu primeiro livro de poesia publicado em 1989. Ganhou vários prémios nacionais e internacionais e tem traduções em países como Itália, Espanha, Polónia, Croácia e Egipto.
A sua poesia, contemporânea, versa sobre o dia a dia, o concreto, lugares e geografias, o que é banal, o momento fugaz e irrepetível. Mistura emoções e a racionalidade de quem tem uma formação científica de base.

Escolho dois poemas do seu livro Mediterrâneo de 2016, um dos mais importantes, relevantes e galardoados da sua obra.



Entre etéreo e terreno

                                                                                Deus sive Natura
                                                                                Espinoza
Na
manhã do temporal saímos a medir estragos
(repor pedras nos muros
colher gravetos do chão). A
fúria
da natureza volveu a ordem anterior
como marca de um excesso quando
no dia seguinte olhas melhor e percebes o
equívoco da
noite anterior. Da força da tempestade só sobrou
dor e silêncio (aos pés
de um pinheiro manso céu e terra derrotados:
um rato e um
pardal são a memória visível da cega
devastação) como se
um recomeço apenas fosse possível caso
entre etéreo e terreno ambos
ousassem perder. Um
deus ajusta o equilíbrio destruindo o que criou –
alguém tem que morrer cedo para que
outrem possa sobreviver.

João Luís Barreto Guimarães, in Mediterrâneo



Sicília

Havia oliveiras
e figos. Messina fora tomada por
barcos cartagineses
como o café da manhã toma o
espaço do ar.
Havia damascos e amêndoas. Perto
em Siracusa
(usando o próprio corpo)
Arquimedes demonstrara como a água
é incompressível.
Dávamos as mãos e os pés.
Havia limões e ciprestes.
Não sei se vinhas.

João Luís Barreto Guimarães, in Mediterrâneo










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