O médico cirurgião plástico, poeta, escritor e tradutor, João Luís Barreto Guimarães ganhou hoje o prémio Fernando Pessoa 2022. Uma iniciativa do jornal Expresso que teve a sua primeira edição em 1987 e pretende distinguir portuguesas e portugueses com percurso relevante nas áreas culturais e científicas da vida nacional.
Nascido no Porto em 1967, viu o seu primeiro livro de poesia publicado em 1989. Ganhou vários prémios nacionais e internacionais e tem traduções em países como Itália, Espanha, Polónia, Croácia e Egipto.
A sua poesia, contemporânea, versa sobre o dia a dia, o concreto, lugares e geografias, o que é banal, o momento fugaz e irrepetível. Mistura emoções e a racionalidade de quem tem uma formação científica de base.
Escolho dois poemas do seu livro Mediterrâneo de 2016, um dos mais importantes, relevantes e galardoados da sua obra.
Deus sive Natura
Espinoza
Na
manhã do temporal saímos a medir estragos
(repor pedras nos muros
colher gravetos do chão). A
fúria
da natureza volveu a ordem anterior
como marca de um excesso quando
no dia seguinte olhas melhor e percebes o
equívoco da
noite anterior. Da força da tempestade só sobrou
dor e silêncio (aos pés
de um pinheiro manso céu e terra derrotados:
um rato e um
pardal são a memória visível da cega
devastação) como se
um recomeço apenas fosse possível caso
entre etéreo e terreno ambos
ousassem perder. Um
deus ajusta o equilíbrio destruindo o que criou –
alguém tem que morrer cedo para que
outrem possa sobreviver.
João Luís Barreto Guimarães, in Mediterrâneo
Havia oliveiras
e figos. Messina fora tomada por
barcos cartagineses
como o café da manhã toma o
espaço do ar.
Havia damascos e amêndoas. Perto
em Siracusa
(usando o próprio corpo)
Arquimedes demonstrara como a água
é incompressível.
Dávamos as mãos e os pés.
Havia limões e ciprestes.
Não sei se vinhas.
João Luís Barreto Guimarães, in Mediterrâneo
Sem comentários:
Enviar um comentário