A janela da entrada está vazia, o puff está vazio, a almofada com um gato estampado está vazia, um canto da minha cama está vazia, a minha casa está mais vazia. Mais fria.
Mas é no coração, é na alma, onde sinto o maior vazio, o pior vazio, o mais difícil de enfrentar.
MAHLER, era o gato menos gato de todos os gatos. Não tinha porte felino, não andava como um felino (era um tripé), não tinha olhos penetrantes ou inquisidores. Mas intimidava a sério quando bufava. E fazia-o na perfeição.
Mas toda essa ausência tornava-o um gato superior. Um gato onde faiscava uma CENTELHA especial, linda.
Ele comunicava com todo o seu corpo. A cauda parecia ter vida, vontade própria. Comunicava com os seus olhos. Mahler expressava-se através do seu silêncio e era muito fácil percebe-lo.
Mahler podia ser um monge budista. Precisava de apenas três coisas na sua vida para ser (mesmo) FELIZ: um lugar ao sol, uma manta e carinho.
No entanto podia e sabia ser maravilhosamente rezingão, temperamental.
A primeira vez que bufou apressei-me a pô-lo imediatamente no chão. Ele NÃO gostava que pegassem nele ao colo. Algo que ao longo dos anos sempre respeitei. Mas a ele aplicava-se a velha máxima: gato que bufa, não faz nada.
Quando começava a protestar, quando estava irritado, era capaz de estar ali, naquele registo durante minutos, a protestar contra o mundo todo.
Mas... se uma mão que o acariciasse, que lhe tocasse gentilmente o focinho, o maxilar inferior... tudo desaparecia. Então ronronava. De uma forma grave, profunda, sincera, espontânea, vindo daquele peito onde batia um CORAÇÃO do tamanho do mundo. E continuava a ronronar, a ronronar, a ronronar...
Adoptei o Mahler, ou o Mahler me adoptou, sabe-se lá, com talvez quatro anos de idade. Era uma panterinha negra que tinha a pata da frente amputada e uns olhos tristes, tal como a sua história. Ninguém o queria por isso. Agradeci frequentemente a todas as pessoas que não o quiseram, porque me deram dado a oportunidade de o ter, de o conhecer. Nunca saberão o quanto perderam.
Mudei-lhe história da sua vida e ele a minha. É justo. Durante seis anos trouxemos, acrescentámos um ao outro, capítulos muito bonitos às nossas histórias.
Hoje acabou a sua história, a minha vai continuar. Um pouco mais trôpega, um pouco mais manca, um pouco mais... VAZIA. O Mahler partiu hoje para os Grandes Prados.
O seu corpo sólido pregou-lhe uma partida. E a mim também. Um cancro no pâncreas não lhe deu hipóteses de luta.
Partiu hoje. Partiu feliz, com a sua pesada cabeça apoiada na minha mão como tantas e tantas vezes o fez. Partiu feliz porque estava a ser escovado, o que ele adorava ser. Partiu feliz, a ronronar, até ao último fôlego de ar, a dar turras até ao último bater do coração. Partiu feliz na sua mantinha macia. Partiu sem dor, sem sofrimento. SUAVEMENTE, docemente. Tal como ele era.
Olho para trás, para os anos partilhados e creio ter sabido dar-lhe o que ele precisava, desejava e queria. Se o tempo voltasse para trás garantidamente faria tudo igual. Não me arrependo de nada, não sinto que tenha feito algo que não devesse. E de novo é justo. Porque ele deu-me TUDO o que ele tinha para dar. Sem falhar um único segundo.
Espalhou MAGIA por todos os que tiveram o privilégio de lidar com ele.
Não sei se haverá algo depois da vida, talvez sim, talvez não. Mas se houver, quero ir para o mesmo SÍTIO para onde ele foi, para onde o Thor foi, que há-de ser o mesmo sítio onde outras pessoas que muito amei estão também, e a brincar uns com os outros.
Até um dia Mahler, minha panterinha negra querida.
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