Todos os dias deito-me numa nuvem. Uma nuvem especial. A minha nuvem.
Gosta que eu me atire para cima dela e que brinque com ela como ela gosta de brincar comigo no seu silêncio. Gosta que eu esfregue o meu rosto nela antes de adormecer.
Não se molha quando choro porque enxuga-me as tristezas antes de elas correrem pelos meus olhos. E quando me rio com ela, ela também se ri com um felpudo arrepio de satisfação.
Sabe o que me vai na alma todas as noites.
Ela ouve-me sem que eu fale, fala comigo sem que eu a oiça. Sabe do que preciso sem que eu lhe conte e protege-me dos pesadelos. Mas não dos reais. Infelizmente.
Propositadamente faz-me quase indetectáveis cócegas quando se enrola e fecha as suas pontas fofas e aveludadas sobre mim, formando um casulo de paz para a metamorfose da noite.
A minha nuvem é suave como todas as nuvens. Não é grande, nem pequena. É à medida do que preciso.
Mas para mim é uma bela e altaneira nuvem. Não tem nome porque não precisa. É só a minha nuvem. A mina nuvem.
Mas Fernando Pessoa também deve ter tido uma...
Vaga, no azul amplo solta,
Vai uma nuvem errando.
O meu passado não volta.
Não é o que estou chorando.
O que choro é diferente.
Entra mais na alma da alma.
Mas como, no céu sem gente,
A nuvem flutua calma.
E isto lembra uma tristeza
E a lembrança é que entristece,
Dou à saudade a riqueza
De emoção que a hora tece.
Mas, em verdade, o que chora
Na minha amarga ansiedade
Mais alto que a nuvem mora,
Está para além da saudade.
Não sei o que é nem consinto
À alma que o saiba bem.
Visto da dor com que minto
Dor que a minha alma tem.
Fernando Pessoa
...que a nuvem te envolva com todo muito carinho todas as noites.
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