terça-feira, 8 de abril de 2014

um poema de... Fernando Pessoa (sobre a minha nuvem)





Todos os dias deito-me numa nuvem. Uma nuvem especial. A minha nuvem. 

Gosta que eu me atire para cima dela e que brinque com ela como ela gosta de brincar comigo no seu silêncio. Gosta que eu esfregue o meu rosto nela antes de adormecer.
Não se molha quando choro porque enxuga-me as tristezas antes de elas correrem pelos meus olhos. E quando me rio com ela, ela também se ri com um felpudo arrepio de satisfação. 

Sabe o que me vai na alma todas as noites.
Ela ouve-me sem que eu fale, fala comigo sem que eu a oiça. Sabe do que preciso sem que eu lhe conte e protege-me dos pesadelos. Mas não dos reais. Infelizmente.
Propositadamente faz-me quase indetectáveis cócegas quando se enrola e fecha as suas pontas fofas e aveludadas sobre mim, formando um casulo de paz para a metamorfose da noite.

A minha nuvem é suave como todas as nuvens. Não é grande, nem pequena. É à medida do que preciso.
Mas para mim é uma bela e altaneira nuvem. Não tem nome porque não precisa. É só a minha nuvem. A mina nuvem.

Mas Fernando Pessoa também deve ter tido uma...


Vaga, no azul amplo solta, 
Vai uma nuvem errando. 
O meu passado não volta. 
Não é o que estou chorando. 

O que choro é diferente. 
Entra mais na alma da alma. 
Mas como, no céu sem gente, 
A nuvem flutua calma. 

E isto lembra uma tristeza 
E a lembrança é que entristece, 
Dou à saudade a riqueza 
De emoção que a hora tece. 

Mas, em verdade, o que chora 
Na minha amarga ansiedade 
Mais alto que a nuvem mora, 
Está para além da saudade. 

Não sei o que é nem consinto 
À alma que o saiba bem. 
Visto da dor com que minto 
Dor que a minha alma tem.


Fernando Pessoa


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