quinta-feira, 23 de abril de 2015

dia mundial do Livro - Os Grandes Cinco (V)


Os livros podem ser divididos em 2 grupos: aqueles do momento e aqueles de sempre. 
John Ruskin

Há um ano tinha pensado para este dia escrever sobre o último dos meus Grandes Cinco livros.
Os cinco livro mais importantes da minha vida. Os meus Eleitos.
Falta eleger o último, mas não em último, livro. Sempre tive uma certa hesitação sobre qual seria o meu quinto livro. Durante muito tempo o Castelo de Kafka estava entre este Magníficos. Mas...

A minha relação com Siddhartha é daquelas relações longas em que apenas sabemos da existência um do outro. Eu vejo-me e tu vês-me. Eu aqui, tu aí. Tudo bem. Dois desconhecidos que ao longo do tempo se cruzam ocasionalmente num autocarro, comboio ou na net.
Um dia descobrimos que gostamos os dois de livrarias e os encontros aumentam de frequência.
A curiosidade começa a aumentar e então cumprimentamo-nos e dizemos o nome um ao outro.

- Olá eu sou o Siddhartha. E tu?
- Oi. Eu sou o Pedro.
- Fixe. Um dia conversamos melhor. Já percebi que estás com pressa.
- Sim é verdade. Vemo-nos por aí. Gostei de te ver.

Algum tempo depois encontro-o mais uma vez numa livraria. Olho para ele com maior atenção e entabulamos uma curta conversa.

- Olá de novo, Siddhartha
- Pedro. Reconheci-te. Estás de novo com pressa?
- Nem por isso. Mas quero ir ver outras coisas aqui na livraria.
Mas posso falar contigo um pouco melhor. Diz-me, falas sobre quê?
- Humm... Do budismo, da Verdade, da Sabedoria, solidão, dor, descobertas, aprendizagem, amizade, arrogância e humildade.
- Isso é muita coisa ao mesmo tempo.
- Tens razão. Tens razão. Mas o Homem, a vida é tudo isto e muito mais. Acredita em mim.
- Não duvido disso Siddhartha. E és de que país?
- Índia
- Falaste de budismo. Identifico-me muito com o budismo. És budista?
- Sim. Sou. Mas não me reduzas apenas ao budismo.
Sou um homem budista que ao longo do seu percurso de vida, retirou ensinamentos sobre o que lhe foi acontecendo, acumulando sabedoria e evoluindo dessa forma até ao estádio final: a Harmonia com o mundo e o Universo. Torna-se Mundo e Universo simultaneamente.

Nesse dia comprei Siddharta do escritor alemão Hermann Hesse e vencedor do Nobel da Literatura de 1946. Sem saber, comprei um livro que se tornaria um dos meus Grandes Cinco. Nesse dia o Castelo foi destronado dos cinco eleitos. 
Dos Grandes Cinco este é talvez o livro mais difícil de explicar porque é um eleito para mim.
É um livro fortemente espiritual, mas sem aquela carga de "espiritualidade" que me faz fugir mais depressa que o diabo da cruz.
Faz-me recordar os poemas de Fernando Pessoa. Que ele os escreveu para mim.
É um que livro fala comigo, tem um diálogo comigo. Entra e permanece em mim. Vai para além da simples leitura.

Siddartha é um jovem da casta brâmane (a mais alta). É inteligente, bem parecido. Sábio e clarividente.
Todos o respeitavam pelas suas reflexões e conselhos. Dominava as artes da meditação, da contemplação, dos rituais. Siddartha era considerado um prodígio e o seu futuro não poderia ser nada menos que brilhante.
Mas algo dentro dele não lhe proporcionava a Luz que procura, o seu interior era inquieto, algo em si provocava-lhe uma insatisfação que o consumia, algo que lhe faltava.
Ele parte e vai à procura desse algo.

Esta busca, este trajecto de vida vai ocupar-lhe longos anos. Durante todo esse tempo Siddartha vai experimentar tudo. A vida.
Vai conhecer a fome, a pobreza e vai aprender com isso, vai conhecer a opulência, a riqueza, o amor, a experiência carnal, a traição e de novo vai aprender com isso. Vai conhecer a alegria de ter um filho, de sofrer por causa dele, sentir a angustia da separação, a dor excruciante de o perder e vai aprender com isso. Vai saber o que é perder a mulher amada, o que é orgulho e a humildade. O que é desdenhar e recuperar uma amizade sincera que não espera nada em troca. Homens que são apenas homens humildes e que por isso são grandiosos.

Siddharta descobre que o que lhe fazia falta, aquilo que mais precisava, era precisamente o que tinha experienciado ao longo do trajecto da sua vida: a Vida.
Tudo o que lhe aconteceu tinha um propósito. Ser um ensinamento, uma lição, uma possibilidade de evolução. De ver o todo em vez da fatia. Tinha que sair do casulo da casta Brâmane para descer ao homem comum.

Quando Siddhartha compreende isto, na simplicidade do correr de um rio e na companhia do velho barqueiro Vasudeva com quem tinha partilhado vários anos da sua vida, torna-se tudo.
Torna-se mundo, Universo, pedra, Deus, Buda. Ele torna-se Tudo e Tudo torna-se nele.
Atingiu a sabedoria universal, a paz, a serenidade, a Harmonia suprema, o Conhecimento. O OM.
O Nirvana.

Quando acabei de ler Siddhartha senti-me bem. Um pouco como ele, estava em paz com o mundo e sereno comigo próprio.

Qualquer um dos Grandes Cinco tem o poder de me fazerem perder neles e por isso encontrar-me neles.
Do meu ponto de vista esse é o poder supremo de um livro. De nos marcar, mudar a nossa vida, de nos ensinar a olhar o mundo à nossa volta de maneiras e perspectivas diferentes.
E caminhar connosco até ao final da nossa jornada.


"Mas hoje em dia penso: esta pedra é pedra, mas também animal, é também Deus, é também Buda, não a venero e amo por poder vir a tornar-se nisto ou naquilo, mas porque ela é tudo, há muito tempo e para sempre."

Siddhartha


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