sábado, 25 de janeiro de 2014

uma música para o fim de semana - Xutos e Pontapés


Muito recentemente - estrearam-se a 13 de Janeiro de 1979 nos Alunos de Apolo - eles comemoraram 35 anos de carreira. Coisa rara no nosso quintal rectangular com os pézinhos mergulhados no Atlântico.
Por isso lançaram Puro. Puro, porque ao fim destes 35 anos que "ainda conseguem" tocar juntos, os Xutos e Pontapés continuam iguais a eles próprios.




Ou seja, Puro é mais do mesmo. O que na maior parte das vezes significa boçalidade e falta de imaginação. Mas não com os Xutos. Nós não gostamos que inovem. Mais do mesmo é o que pretendemos.
Quando eles fazem algo diferente, deixam de ser quem gostamos que sejam.

A música para este fim de semana, De Madrugada (Tu e Eu), é uma das canções que mais circula nas playlists das rádios. E é toda ela Xutos, ou seja mais do mesmo.
Guitarras entram ligeiramente na frente e a bateria rapidamente as acompanha para depois dominar a introdução à voz de Tim.
Ao minuto 2,47 min surge em cena o saxofone de Gui a dominar o palco sonoro quase sozinho, deste tema durante trinta segundos, altura em que Tim regressa. Excelente. Mais do mesmo.


Bom fim de semana :)






sexta-feira, 24 de janeiro de 2014

a morte de uma palavra


No início deste ano, a Porto Editora divulgava que a palavra do ano de 2013 era "bombeiro".
Para além desta palavra, havias as opções de "irrevogável", "inconstitucional", "grandolada" e mais umas quantas.
Concordo com "bombeiro" é sem dúvida uma GRANDE palavra. Cheia de nobreza, sacrifício e dedicação ao desconhecido. É uma homenagem justa para quem o é e para quem o faz anonimamente.
Mas pessoalmente votei "irrevogável". Não pela palavra em si, mas pelo luto do seu significado.

Hoje ao falar com um colega de trabalho, a certa altura ele disse "irrevogável". De imediato não acreditei nela. Não acreditei no seu significado.
Irrevogável é uma palavra forte e pesada. É como "nunca" e "sempre". São palavras limite, palavras de um só sentido que deve ser respeitado e bem pensadas antes de serem ditas.

É tudo aquilo que Portas arrasou. Conseguiu arrasar e atirar para a lama em poucos dias o seu significado.
Algo devia ser vista como uma fronteira a não passar, uma parede que não se atravessa, que traz honra a quem a mantém, assumindo os custos de a manter, passou a pó. Ficou desacreditada, associada a chantagem e a baixa política. Passou a ter um preço, a poder ser comprada.

Irrevogável, uma palavra plena de certeza, carrega agora e penosamente a cruz da dúvida. Quando deveria ser um ponto final, tem agora reticências. É uma palavra que morreu.
Ouvi-la, lê-la, fico logo de pé atrás. Fico em suspenso à espera da contradição, da sua negação, da contraproposta, do que vem a seguir.
Ela agora soa a mentira e a manha. Irrevogavelmente...




domingo, 19 de janeiro de 2014

Ary 30




Quando penso em Ary dos Santos, penso em alguém com voz tonitruante e exuberante que se impunha pela presença, pelas suas palavras. 
Alguém polémico, de ideais fortes. Alguém que seria difícil de derrotar numa discussão.
Seria alguém tipo... força da natureza.

Esta imagem mais do que em fotografias ou imagens na televisão são-me transmitidas pela força da sua poesia. 
Creio firmemente que a poesia não se finge - apesar de Fernando Pessoa aparentemente afirmar o contrário em "O Poeta é um fingidor"- ela é o espelho de quem a cria, de quem a imagina, de quem a concretiza.
A poesia, para quem tem esse dom, é a melhor maneira possível de conhecer alguém.
Ary dos Santos tinha também olho para a Vida. Observa-a de uma maneira particular, muito sentida, muito delicada. Dela retirava o que havia de mais violento e mais sublime.

A prova deste "crime" está em variados poemas como de Poeta Castrado, Não!, Estrela da Tarde, A Máquina Fotográfica, Os Gatos, Os Putos, e Quando um Homem Quiser.

Mencionei o último poema num texto para uma música para o fim de semana que escrevi em finais do ano passado quando escolhi uma canção dos Deolinda sobre o Natal.
O Natal já lá vai há quase um mês. Mas quando o tema é poesia, seja de Ary dos Santos ou de outro poeta qualquer, esta não tem limites temporais. É apenas invocada, recordada, recitada quando o queremos ou desejamos.

Aproveito a passagem do dia de ontem, sobre os trinta anos da sua morte - Ary dos Santos morreu em 18 de Janeiro de 1984 - do silenciamento da suas palavras escritas, bem mais poderosas que as suas faladas para trazer, para relembrar esse extraordinário poema feito simultâneamente de dor e delicadeza e cujo um verso se tornou parte do imaginário português - "Natal é em Setembro, é quando um homem quiser".


Tu que dormes a noite na calçada de relento
Numa cama de chuva com lençóis feitos de vento
Tu que tens o Natal da solidão, do sofrimento
És meu irmão amigo
És meu irmão 

E tu que dormes só no pesadelo do ciúme
Numa cama de raiva com lençóis feitos de lume
E sofres o Natal da solidão sem um queixume
És meu irmão amigo
És meu irmão 

Natal é em Dezembro
Mas em Maio pode ser
Natal é em Setembro
É quando um homem quiser
Natal é quando nasce uma vida a amanhecer
Natal é sempre o fruto que há no ventre da Mulher 

Tu que inventas ternura e brinquedos para dar
Tu que inventas bonecas e combóios de luar
E mentes ao teu filho por não os poderes comprar
És meu irmão amigo
És meu irmão 

E tu que vês na montra a tua fome que eu não sei
Fatias de tristeza em cada alegre bolo-rei
Pões um sabor amargo em cada doce que eu comprei
És meu irmão amigo
És meu irmão 

Natal é em Dezembro
Mas em Maio pode ser
Natal é em Setembro
É quando um homem quiser
Natal é quando nasce uma vida a amanhecer
Natal é sempre o fruto que há no ventre da Mulher

Ary dos Santos