quinta-feira, 6 de janeiro de 2022

porque adoptei a Silk (e os outros também)


Quem me conhece sabe que nutro uma simpatia, um sentimento de protecção e carinho enorme pelos pequenos felinos.

Quando em Fevereiro de 2012, o Miles (o meu primeiro gato, com nome dedicado ao gigante do jazz Miles Davis) entrou em minha casa percebi durante a primeira semana que a minha vida tinha mudado. Miles vivia na rua, numa bomba de gasolina. Ninguém o queria. Quase emaciado, cego de um olho, uma infecção pulmonar e um otite provocada por ácaros. Eles eram tantos que quase caiam das suas orelhas. Resolvi ficar com ele e tratá-lo da melhor maneira possível. A otite era tão grande que antes de ele ficar bom da mesma, recuperou o olho com uma cirurgia, ficou bom dos pulmões com antibióticos, engordou a olhos vistos, foi castrado e depois disto tudo é que ela desapareceu. Agora dez anos depois Miles, é um gato enorme com um coração de gatinho. Parece que nunca cresceu. 

Rapidamente percebi que Miles detestava estar sozinho em casa. Contactei uma organização de protecção e recolha de gatos - Associação EntreGatos - e disse que estava interessado em adoptar um gato que tivesse a mais baixa probabilidade de adopção. Indicaram-me o Mahler. Um gato preto, adulto, amputado devido a um atropelamento. Disseram que era um gato infeliz porque se isolava no abrigo, não socializava com os outros gatos e que as pessoas nunca o queriam. Estar numa casa apenas com um gato - em determinada altura da sua vida iria estar com mais três, o que não o incomodou de todo - era exactamente o que ele precisava. Eu quis e assim aparece o Mahler (uma homenagem ao compositor e maestro austríaco Gustav Mahler) em minha casa para fazer companhia ao Miles. Foram seis anos de uma vivência única. Dormia com a sua cabeça encostada à minha mão e bastava olhar para ele para começar a ronronar. Frequentemente, ainda hoje, agradeço a todas as pessoas que o rejeitaram porque assim tive a oportunidade de conviver com ele. Penso no Mahler como O gato.

A certa altura, ainda no tempo de vida do Mahler, aparece o Ulisses. Já antes tinha surgido a Alma. Uma gata que encontrei atropelada tendo ficado com sequelas nas ancas.
Ulisses era um gato preto, adulto, com uma mancha branca que começava no pescoço e acabava no baixo ventre. Ficou cego também devido a um atropelamento. Vivia há mais de um ano numa box na clínica veterinária que cuidava dele. Mais uma vez ninguém o queria. Não fui capaz de ficar indiferente e fiquei com ele. Assustava-se imenso. Não suportava ser tocado e bufava imenso. Era muito agressivo. Assim falava com ele suavemente antes de o tocar e batia suavemente com os dedos no chão, para ele perceber, para o sossegar, para ele saber que estava ali alguém que ele podia confiar. Infelizmente esteve só três anos comigo. Morreu de insuficiência renal crónica. Mas nesses três anos o seu comportamento mudou imenso. Passou a confiar em mim, nos meus toques e carícias. Ficava calmo. Mapeou e adaptou-se à casa de uma forma incrível. Conhecia cada canto da casa. Ela não tinha segredos para ele. Tornou-a sua. Tê-lo comigo foi um privilégio.

Quando o Ulisses morre, aparece o Kuro. O Kuro (preto em japonês) foi um gato de preto, FIV+ (sida felina), de rua, que me acompanhou durante cerca de quatro anos. Arranjei-lhe um abrigo e passou a viver lá, a comer a mesma ração que os meus gatos de casa comiam, a ver-me dentro de minha casa. A sua ligação comigo começou da desarvorada fuga para turras no meu rosto e tentar prender a minha perna para não me ir embora. Sociabilizou-se e tornou-se muito meigo. Neste período tentei encontrar-lhe alguém que assumisse a responsabilidade de cuidar dele. Ninguém. De novo o estigma da cor preta, de ser adulto e para mais FIV positivo. 
Ulisses estava com a saúde muito frágil e a introdução de um novo gato iria causar-lhe stress ao qual podia não resistir. Quando este morre, uma semana depois, Kuro estava onde sempre desejou estar e eu desejava que estivesse: em minha casa. Agora praticamente vive no meu colo, vocaliza de satisfação quando chego a casa e dorme tão próximo de mim que os seus bigodes tocam no meu rosto e fazem-me cócegas.

Na última semana de Dezembro do ano passado, adoptei a Silk (antes chamava-se Pandora), uma homenagem à incrível Rota da Seda. É uma gata tartaruga de grandes olhos negros. Tal como na altura da decisão de adopção do Mahler e do Ulisses não foi fácil. A Silk tem uma condição neurológica permanente causada por severa malnutrição enquanto estaria no ventre da mãe: sofre de hipoplasia do cerebelo. Tem uma forte descoordenação motora. Caminha trôpega e de forma oscilante, está permanentemente a tentar equilibrar-se, sempre a cair e não consegue fazer movimentos finos. Não consegue saltar para um sofá ou subir escadas. Para atravessar uma porta aberta em par bate por vezes na parede. Ao comer e beber praticamente não consegue fixar cabeça. Para a ajudar seguro-a entre as minhas mãos para a estabilizar. No entanto a Silk é viável, é independente, tem qualidade de vida e tal como os outros não tenho medo de a ter sozinha. 
A Silk tinha donos, mas quando estes perceberam como ela era, abandonaram-na. Quando a conheci estava a viver numa box na mesma clínica veterinária onde estava o Ulisses e que fazia o melhor possível por ela. Vê-la a viver naquelas condições e com um reduzidíssima possibilidade de adopção, de novo decido ficar com ela e tentar melhorar as condições da sua vida.
Chegou a minha casa extremamente agressiva: arranhava e mordia à primeira oportunidade. Tive que a isolar dos outros. Durante dois ou três dias estive sempre com ela, às vezes sentado a ler, estando cada vez mais próximo dela mas sem lhe tocar. Dava-lhe patês e brincava com fitas para perceber que estar comigo significava coisas boas. Associação positiva. Passados estes difíceis dias mudou 180 graus. Corre e brinca com os seus irmão felinos. Pede colo, ronrona, roça-se pelas minhas pernas, está sempre próxima de mim e gosta, pede para eu pegar nela, de estar sentada no sofá ao meu lado. À noite mia por não ter companhia porque os outros estão comigo, a Silk não consegue subir escadas, ou porque quer um pouco da minha atenção. Desço do quarto e estou com ela uns minutos para a acalmar. Resulta.

Agora, porquê todo este texto longo, talvez aborrecido, e cheio de gatos especiais?
Para que não tenham medo de os receberem em vossas casas, de lhes darem o vosso amor só porque não são gatinhos bonitinhos, fofos e perfeitos. Para que vão para além das suas aparências e sejam aceites da forma como são. Para que eles não tenham que viver abandonados, sós, em jaulas frias ou nas ruas que os matam. Sem conhecerem o calor e a ternura das carícias, o conforto e protecção de uma casa, de uma manta, de uma simples caixa de cartão forrada com um cobertor. Sem poderem brincar, sem terem oportunidade de eles serem o que eles são: gatos. Para que eles tenham, e merecem, uma possibilidade efectiva de adopção. 
Se os adoptarem, e espero que sim, façam-no com todas as vossas forças e afecto. Façam-no para toda a sua vida que até poderá ser curta, talvez como a do Kuro e da Silk. Caso contrário não os adoptem, não os façam sofrer ainda mais.
Eles dar-vos-ão tudo o que têm para dar e com o correr do tempo ainda darão mais. São absolutamente perfeitos na sua forma imperfeita. Precisam de ser conhecidos e respeitados nas suas especificidades e peculiaridades únicas. E nunca, mas nunca, desiludirão ninguém.

Quando olho para os meus gatos especiais, os que tenho e os que tive, a dormirem em paz, a brincarem, a pedirem festas, a ronronarem, confortáveis e a gostarem de estar ao meu lado, sei do fundo do meu coração que fiz, que tomei a decisão certa em adoptá-los. Há quem não perceba, não compreenda, porque o faço. Dizem-me que não os posso salvar todos. Verdade que não, mas pelo menos posso fazer a diferença na vida de alguns. Como aquela frase tão conhecida: não mudo o mundo, mas mudo o mundo de alguém. 






domingo, 2 de janeiro de 2022

dia mundial da introversão


Sim, é verdade. Sim existe um dia mundial dos introvertidos. O dia 2 de Janeiro. Foi instituído em 2011 e não por acaso ele acontece após um longo período de tempo festivo, comum a várias culturas e religiões.
Ou seja, hoje é o meu dia.

Num mundo onde a extroversão é quase sinónimo de competência, de normalidade, onde gostar de festas, longos almoços e jantares cheios de gente é obrigatório, participar em conversas da treta é sinónimo de socialização, convívio e boa capacidade comunicação, onde o falar é mais valorizado do que o ouvir, os introvertidos passam por um mau bocado.
O nosso silêncio, as poucas palavras utilizadas na comunicação, a capacidade de síntese, a necessidade de estarmos sós, de não nos darmos a conhecer facilmente e dificultarmos que nos conheçam, levam-nos a sermos cunhados com adjectivos pouco gratificantes.

Somos mais dados a problemas afectivos e psicológicos como a depressão, mais susceptíveis ao stress e aos esgotamentos.
A grande mensagem deste dia, dia mundial da Introversão ou dos introvertidos, e é o que todos nós pedimos, é que nos compreendam e nos aceitem assim. Não nos empurrem para situações para as quais não gostamos ou que nos drenam a nossa energia. O resto deixem connosco e tudo há-de correr bem.