Tal como ouvir música, adoro ler. Talvez sejam das coisas que mais gosto de fazer na vida.
O que mais me agrada, quer numa quer na outra, é a grande capacidade de nos transportarem para formas diferentes de verem o mundo, de o sentir, de o interpretarem, ou de o reinterpretar. Os temas a que se dedicam são tão vastos quanto aquilo que queiramos e a personalidade que neles é investida reflecte naturalmente a personalidade de quem neles coloca a sua alma e a sua experiência de vida
Acabei muito recentemente de ler As
Notas de um Velho Nojento do alemão Charles Bukowski que nos faz mergulhar num obscuro, underground e desagradável sub-mundo dos excessos, dos vícios dos bares mal iluminados, do álcool, das apostas, das mulheres fáceis e das suas vidas desesperadas, forçadamente superficiais.
Depois, logo a seguir, quase no imediato a este livro, li A Luz da Ásia. A diferença entre ambos dificilmente poderia ser maior.
A Luz da Ásia é escrito por Edwin Arnold, um poeta e jornalista Britânico, tendo sido chefe editor do Daily Telegraph durante várias décadas.
Se a literatura do alemão nos mergulha numa decadência muito física, a do britânico eleva o nosso espírito à luz.
A Luz da Ásia, publicado pela primeira vez em 1879, retrata o percurso do príncipe indiano Siddartha, Gautama, filho da rainha Maya e do rei Suddhodana. Desde o seu muito auspicioso e nobre nascimento até ao momento final em que atinge o estado supremo da Luz e da Verdade ao tornar-se Buda.
Seguimos o seu percurso enquanto homem que nasce e casa com uma bela mulher (Yashodhara) da qual tem um filho (Rahula). Vive num opulento palácio rodeado das mais belas riquezas, num ambiente em que não há dor, tristeza ou sofrimento, isolado do mundo, até ao momento em que decide partir do seu palácio para contactar com a realidade que lhe era negada, sentindo um apelo, um chamamento e um dever para cumprir a missão para a qual sabe que nasceu: a procura da Verdade e da comunhão com o Universo, que será atingida ao encontrar-se primeiramente com a jovem Sujata de Senani e depois ao sentar-se e meditar debaixo da figueira sagrada bodhi em Bohd Gaya
Siddartha abdica da sua elevada casta, dos bens materiais que lhe toldam o espirito, para se tornar um mendigo, alguém que vive da comida que lhe oferecem numa tigela e que pratica a meditação como meio de alcançar, compreender e atingir a Luz.
No último capitulo, o oitavo, estamos na presença de Buda e assistimos em primeira mão ao seu sermão onde estabelece um caminho, a essência do budismo, para o homem normal poder igualmente alcançar o supremo: os Cinco Preceitos, as Quatro Nobres Verdades e o Caminho Óctuplo.
Todo livro é uma glorificação da vida física e espiritual (e lendária) de Siddartha. Para quem, como eu, o budismo faz todo o sentido e tem uma certa identificação com o mesmo, o livro é extremamente interessante. Tem um bom ritmo, sendo uma excelente introdução à religião budista, mas também à cultura (e mitologia) indiana, lendo-se de rajada.
No fim percebemos o quanto é diferente a religião cristã do budismo. Se a primeira tem fundamentos na dor, no sofrimento, no castigo e na existência de um Deus e do seu filho, o budismo procura a compreensão, a verdade, o despojamento dos bens materiais, a protecção dos seres vivos e como tudo isto reside no interior de nós próprios e também por nós pode ser alcançado, sem requerer a presença ou adoração a um Deus, quebrando o ciclo das sucessivas reencarnações.
Uma curiosidade. Consta que o título inicial deste livro seria A Luz do Mundo, mas para não entrar em colisão com as fortes e enraizadas convicções cristãs da época, o título foi alterado para um mais aceitável e consensual Luz da Ásia. Cristianices...