sábado, 30 de novembro de 2013

uma música para o fim de semana - Ludovico Einaudi



A semana que acaba hoje foi agreste. 
Foi dura, física e mentalmente. Sinto um grande vazio na minha cabeça.

Preciso daquela paz que regra geral só a música consegue transmitir. 
Fechar os olhos, abrir as asas do espírito e partir para onde quer que elas me levem. Não preciso de vento para partir. Preciso de música.

Preciso de música que me faça sorrir levemente pela sua tranquilidade e pela sua elegância. Preciso que ela me leve para sítios bonitos.
Que me leve para as estrelas e que possa guardar as mais bonitas nas minhas mãos, me leve para o topo das montanhas e esticando os meus braços eles fiquem pintados de azul céu e os pés de branco neve. Me leve para onde de olhos fechados possa ver o sol a nascer e a pôr-se. 

Para sítios onde haja liberdade, espaços abertos. Abrir os braços e sentir os fiapos das nuvens que estão à minha volta na ponta dos meus dedos, sentir no rosto o ar deslocado pelo passar das asas de uma ave, ouvir o sussurrar dos segredos da água a passar nas margens do rio e que ela conta a quem só a entende.

Preciso de música que me faça saborear as cores do Outono e a quietude dos dias frios do Inverno. Que me faça abrandar a torrente desordenada e inquieta dos meus pensamentos, que restaure o meu equilíbrio interior.
Que com ela possa segurar a grande Lua como se fosse um pequeno berlinde.
Que transforme os grandes incêndios que ardem em mim e os torne em pequenas e agradáveis brasas que aconchegam, confortam e dão força.

Há pessoas muito especiais que souberam e sabem fazer tudo isto através de uma pauta de música. Escrevem poesia que não é declamada, mas sim tocada, onde a voz se torna desnecessária.
O compositor e pianista italiano do qual sou um grande admirador e que fez 58 anos no passado 23 de Novembro, Ludovico Einaudi, é uma dessas pessoas iluminadas.

Nuvole Bianche (nuvem branca), a música para este fim de semana é um desses, um dos muitos, poemas que Ludovico escreveu em notas de música que nos levam para sítios belos, simples e elegantes.
Tal e qual como gosto, tal e qual como preciso.


Bom fim de semana :) 





domingo, 24 de novembro de 2013

Eu e Mahler


Não fosse o quarto andamento (adagietto) da quinta sinfonia de Mahler e o Mahler chamar-se-ia Chopin.
Sou mais fã dos nocturnos do segundo do que das sinfonias do primeiro. Isto numa visão muito redutora das obras dos dois músicos e compositores.
O adagietto da quinta de Mahler é lindo. É sereno, introspectivo, tem uma solidão interior, uma certa tristeza latente, mas não evidente. É alguém que está dorido e precisa e busca a tranquilidade. De um refúgio.

Se o Miles representa o quanto gosto de jazz, o Mahler é uma homenagem à música clássica, a minha segunda paixão musical.

Mahler é uma panterinha. Um grande e possante gato preto de pêlo bonito, muito lustroso, focinho meigo e longos bigodes pretos. Foi atropelado e ficou com a pata esquerda da frente esmagada. Teve que ser amputado dela.
Procurava um gato que ninguém quisesse, para lhe dar conforto, carinho, protecção e bem estar e ao mesmo tempo ser uma companhia para o Miles. Com as suas características, o Mahler era exactamente o queria. Fui buscá-lo à Associação Entregatos.

Não tem a típica pose majestosa e felina, Não tem um olhar penetrante e julgador. Não tem aquela curiosidade que mata o gato. Não é traquinas, nem irrequieto. Não é exuberante. Tudo pelo contrário.
Os seus olhinhos são grandes, redondos e doces. Observam sem julgar. Não mete o nariz em todo o lado. É pacífico, um paz de alma. Gosta da sua paz e do sossego. Gosta do seu cantinho, da sua solidão e de uma boa manta.




Parece invisível. Nem sempre o vejo a atravessar uma sala, subir as escadas ou a chegar à cozinha para ir comer. Aparece apenas. Está lá. Não o vemos, não o ouvimos chegar, ele já lá está. Parece que não anda, teletransporta-se. É engraçado.
Mas por vezes fica-se pelas portas sem as cruzar. Fica parado nelas. Parece que pensa, que analisa, que pondera o que fazer. Depois decide e avança ou vai-se embora.
Quando está deitado no tapete grande da minha sala parece um grande borrão de tinta da china que algum pintor desastrado lá deixou cair. Mas fica bem. Gosto muito de o ver assim.

Pede carinho sem o pedir ostensivamente ou declaradamente. Pára à minha frente, sentado, talvez a um metro de distância e apoiado na única pata da frente a olhar para mim. Só olha. Em silêncio pede-me festas.

Estico o braço e ele desfaz-se em mel. Turras, turras e mais turras. O seu ronronar é grave e profundo, é do seu tamanho. E ronrona em dois tons. Como se usasse dois instrumentos no interior da sua garganta.
Rodopia sobre ele próprio, roça o focinho em qualquer superfície onde ele chegue, aninha a sua cabeça e os grandes bigodes pretos na palma da minha mão em forma de concha. E por vezes empurra-a com uma força surpreendente e até eleva-se nas patas de trás para o poder fazer. É capaz de estar nisto uma eternidade.
À noite, dorme com a cabeça dele encostada à minha mão.


Mas o seu passado deve ser pesado e doloroso. Deve ter passado por muito. As histórias que tem para contar devem ser muitas e pouco bonitas.
Sei que não posso aproximar-me muito dele. Fica desconfortável. A proximidade incomoda-o, não consigo roçar a minha cabeça na dele como faço com o Miles. É nessa altura que interrompe tudo e volta para o seu canto, para o seu buraco, ou se afasta para uma distância mais confortável para ele e continua ao meu lado.
Mas também não precisa de pedir festas. Se alguém, espontâneamente, lhe dar carinho dentro das suas condições, ele aceita sempre e de imediato. Nunca fugiu a um estender de uma mão carinhosa. Parece que precisa desse lenitivo para lhe atenuar as dores de alma e do corpo.

O Miles deve ser o único "problema" da vida de Mahler. Mais jovem e cheio de vida, faz naturalmente dele o seu companheiro de brincadeira, algo que o chateia profundamente. Principalmente quando este está nos seus retiros espirituais. Bufa-lhe até mais não, mas isso é coisa que não perturba minimamente o Miles. Quando este está para o chatear nada o pára. Nem um gato mais velho, maior que ele e a pesar mais um quilo e tal.
No entanto se o Mahler quisesse arrumava a questão em poucos segundos.

Ele é temperamental e determinado. Sabe perfeitamente o que gosta e não gosta e demonstra-o na perfeição, sem margem para dúvidas.
Não suporta o colo. Protesta, torce-se, parece que rosna, bufa mesmo. Quando protesta fá-lo veemente, mas de uma maneira inofensiva e pacífica, apesar de intimidar. Gato que bufa não morde, podia ser o ditado do Mahler.
Noventa por vento das vezes não gosta de festas na parte de trás do lombo. Faz uns miados muito curtos e rápidos de desagrado e desconforto. Se eu insistir afasta-se. Evito que tal aconteça. Mas nos restantes dez por cento retira um prazer imenso delas.
Tenho muitas vezes imensa vontade de o pegar ao colo, de segurar o seu corpo sólido e maciço de sete quilos, mas só o faço quando tem que ser. Respeito a sua natureza. Também gosto que respeitem a minha.

Adoro o Mahler. O Miles é o "meu" gato, mas a ligação ao Mahler é muito forte. Tenho uma grande empatia com ele. Sei que o percebo muito bem, o que precisa e quando precisa.
Pode ser que comigo ele tenha encontrado o que desejava. Talvez tenha encontrado o seu adagietto, aquilo que precisava. Carinho e brincadeira qb, protecção, conforto, sossego e paz. Eu e ele sabemos bem como a paz é preciosa.

Uma nota final. O Mahler tem um fetiche pelos meus sapatos. Quando chego a casa ele fica à espera que me descalce. Assim que o faço ele arranha os sapatos e depois mete o focinho lá dentro e anda lá de volta um bom par de minutos. Só ele sabe o que aquilo cheira. Bem, eu também tenho uma ideia do que possa cheirar, mas isso fica só entre mim ele...


A propósito, faz hoje um ano que as nossas vidas se cruzaram. Para sorte de ambos e privilégio meu. :)