sábado, 14 de abril de 2012

uma música para o fim de semana - Nancy Vieira


A Ilha dos Outros de Nancy Vieira teve o mesmo impacto em mim que Mercy de Duffy.
Ouve-se uma vez, não se sabe quem é a voz, de quem é a música ou quem escreveu a letra. Mas tudo bate certo, tudo se equilibra. Gosta-se e pronto. É amor à primeira audição

A voz é da cabo-verdiana Nancy Vieira, o piano que a acompanha é do português Manuel Paulo e a letra é do João Monge, ambos músicos dos extintos Ala dos Namorados.
Pássaro Cego, o nome do álbum lançado em Outubro de 2010, conta a história de um pássaro que viaja através de ilhas.
Como não vê, ele só tem a percepção das ilhas através dos outros sentidos. É este o  elo de ligação entre as faixas e o mote para o álbum.
A cada uma das ilhas sobrevoadas corresponde um tema, uma paisagem sonora e a uma pintura de João Ribeiro que ilustra todo o álbum com a forma de um livro.

A Ilha dos Outros, a minha sugestão para este fim de semana é a terceira ilha das dez por onde o pássaro cega passa.

Tem uma letra muito sensorial, plena toques, ou não fosse a descrição de um pássaro cego a viajar por uma ilha e tentar desvendá-la, percebe-la.
É uma promessa de um encontro no céu, a busca e a esperança de encontrar um igual.


Deixa tocar-te a pele 
Ler nos poros tudo o que és 
Como numa folha de papel
Onde crias tudo o que não vês
Deixa entrelaçar os dedos 
Nos teus cabelos de querubim
Desvendar os teus segredos
Saber se és igual a mim.

Quem és tu? de onde vens?
Tens duas asas como eu
Tens corpo e alma e também tens
Encontro marcado no céu
Deixa-me beijar-te  a boca 
A casa onde a tua língua poisa
Pra saber se esta coisa louca
Nos sabe aos dois a mesma coisa

Quem és tu? de onde vens?
Tens duas asas como eu
Tens corpo e alma e também tens
Encontro marcado no céu

Quem és tu? de onde vens?
Tens duas asas como eu
Tens corpo e alma e também tens
Encontro marcado no céu
Deixa-me beijar-te  a boca 
A casa onde a tua língua poisa
Pra saber se esta coisa louca
Nos sabe aos dois a mesma coisa

Quem és tu? de onde vens?
Tens duas asas como eu
Tens corpo e alma e também tens
Encontro marcado no céu


A voz de Nancy soa límpida, quente e aconchegante como os cobertores que puxamos até ao pescoço numa fria noite de inverno.


Bom fim de semana :)




sexta-feira, 13 de abril de 2012

dia internacional do beijo


Um beijo é um segredo que se diz na boca e não no ouvido
Jean Rostand


Para mim há poucas coisas mais delicadas no mundo da arte, que não a música, do que uma escultura em mármore branco.

Para ilustrar o dia internacional do beijo, estava indeciso entre duas esculturas em mármore alvo: o Beijo de Auguste Rodin ou Eros e Psique de Antonio Canova.

Gosto muito mais do que se imagina, do que aquilo que se mostra e assim, sendo fã incondicional de Rodin, escolho a escultura do italiano Canova, Eros e Psique que descreve um episódio repleto de ciúmes e amor da mitologia grega.

E ao contrário de o Beijo de Rodin onde este se concretiza, na estátua de Canova o beijo não chega a acontecer, mas sabemos de certeza absoluta que vai acontecer. 
Canova liberta a nossa imaginação e deixa para nós a concretização do acontecimento.

Ele é antecedido pelo toque dos olhares, pela postura dos corpos e pela entrega dos braços.
Não se vê o beijo nesta escultura, mas sente-se a sua proximidade, o seu suave calor, o toque de veludo que está prestes a acontecer.
Não carrega o fogo crepitante dos amantes, mas tem a doce gentileza dos enamorados.




terça-feira, 10 de abril de 2012

Grande Ecrã - Na Terra de Sangue e Mel


Não tenho uma especial admiração por Angelina Jolie enquanto actriz. Não há nenhum filme dela que me tenha marcado especialmente.
Mas ganhei algum respeito enquanto realizadora e argumentista com o seu primeiro trabalho por detrás das câmaras com o seu filme Na Terra de Sangue e Mel.

Angelina Jolie filma uma história de amor que se torna proibido e (quase) impossível após a eclosão da guerra da Bósnia.
Ela, Ajla, é pintora e bósnia, ele, Danijel, é polícia e sérvio.

É a mostrar este amor proibido que Angelina enquanto argumentista, tem o seu principal mérito.
Foge aos clichés do amor, das lágrimas fáceis, da previsibilidade e descreve uma história de amor plausível, genuíno, envenenado pelas circunstâncias - o final do filme confirma isto - e que facilmente imaginamos que pode ter acontecido não só ao longo do conflito bósnio, mas como em muitos outros que aconteceram por esse planeta fora.

O outro grande mérito do argumento é retratar as crueldades e atrocidades deste conflito, de uma maneira dura, mas sem enveredar pelo grande espectáculo, pela violência ou pelas litradas de sangue. As violações, as execuções em massa, os snipers, estão bem retratadas e de uma maneira muito sóbria.

Mas não há bela sem senão. Dois espinhos no argumento. Senti a falta de enquadramento histórico-político que mostrasse a quem vê filme o que esteve por detrás do conflito e nota-se uma certa parcialidade ao mostrar os sérvios como os maus da fita (que o foram), mas sem fazer o devido contraditório com o lado bósnio (longe de serem uns anjinhos).

É na realização e nos dois actores principais que Na Terra de Sangue e Mel tem os seus maiores trunfos.
Apesar de dar a sensação que na primeira meia hora do filme que Angelina Jolie e o pouco convincente Goran Kostic (Danijel) estão hesitantes, receosos. Como se estivessem duvidosos do que fazer ou como o fazer. A muito expressiva e excelente Zana Marjanovic (Ajla) entra praticamente em velocidade de cruzeiro logo no início.
Mas à medida que o filme se desenrola, a realização torna-se mais segura, mais atraente e cativante. Ganha dinâmica e confiança.

Angelina filma sobriamente, e por vezes de uma maneira minimalista, muito fotográfica, com grande cuidado estético em determinados planos.
Quase todo os planos filmados no interior do quarto, quando Ajla está prisioneira de Danijel, têm esta plasticidade.

Na Terra de Sangue e Mel é um filme que resulta muito bem.
Ultrapassa a questão de ser mais uma menina bonita e famosa de Hollywood, a querer fazer um filme apenas porque sim, porque tem esse capricho.

Angelina Jolie passa este teste inicial. Mas a fasquia fica alta para o seu próximo trabalho como realizadora.
Fico curioso relativamente ao que virá a seguir.





segunda-feira, 9 de abril de 2012

compra de fim de semana - Jan Garbarek





Há poucos músicos que tenham construído um universo, uma assinatura só deles. 
Com isto quero dizer que ouvindo-se um pouco da sua música, uma frase musical e reconhecemos de imediato o seu autor. 
Não sou expert nem conhecedor nestas coisas de música, mas existem três músicos de jazz que conseguem a proeza de eu os reconhecer quase à primeira. O trompete de Miles Davis, o saxofone de John Coltrane e um outro saxofone, o de Jan Garbarek.

Tentando caracterizar o universo de Garbarek, para além de multifacetado, eu diria que ele é espectral, expressivo, minimal, capaz de nos transportar para paisagens misteriosas, nórdicas, onde imperam as diáfanas neblinas, onde lagos misteriosos brilham como prata à noite, os ventos cantam suavemente e as luzes são difusas.
É um universo encantado que ele nos introduz em todo os seus trabalhos.

Mas Garbarek tem uma outra capacidade, talvez rara, que é de tocar em parceria com instrumentos pouco vulgares ou associados ao jazz, daí ser multifacetado, mas que são igualmente capazes de complementar e passar as mesmas emoções e paisagens sonoras que o seu saxofone.
Em In Praise of Dreams, é exactamente isto que acontece.

Garbarek, para além da percussão de Manu Katché, ele vai buscar talvez o maior trunfo deste seu trabalho de 2004 ao violino de Kim Kashkashian.
O diálogo entre estes dois instrumentos aparentemente sem afinidades entre si, o violino e o saxofone é suave e muito delicado e o resultado final é sempre extraordinário.
Subtilmente Katché acompanha muito este diálogo sem se tornar um outsider. Se ele não estivesse presente, este diálogo seria bem mais pobre.

Tudo isto está presente em três das minhas preferidas faixas do álbum.
Uma delas é A Knot of Place and Time.