quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

Zeca Afonso - maior que o pensamento


No Natal de 1972,  Zeca Afonso lançava um álbum de originais chamado Vou ser como uma Toupeira.
Desse álbum estão duas canções emblemáticas do cantautor aveirense: A Morte saiu à Rua e o Avô Cavernoso.
Em 1994, após sete anos terem passado sobre a sua morte, surge um tributo a Zeca Afonso pelas mãos de João Gil e Manuel Faria, dois ex-trovante e Tim, vocalista dos Xutos & Pontapés, que conseguiram reunir vinte bandas, oriundas de vários géneros musicais. Esse projecto chamar-se-ia Filhos da Madrugada.
Eles revisitaram várias canções de Zeca Afonso, onde constavam, A Morte saiu à Rua e o Avô Cavernoso. A primeira foi dos UHF e a segunda foi pelos Mão Morta. E é esta que me interessa para este fim de semana.

As duas interpretações, Mão Morta e Zeca Afonso, não podiam ser mais diferentes. Pessoalmente, esta é uma das situações em que o cover é superior ao original. Zeca empresta-lhe uma certeza delicadeza, suavidade.
A voz de Adolfo Luxúria Canibal (nome artístico de Adolfo Augusto Martins da Cruz Morais de Macedo) carimba a canção de uma forma oposta. Torna-a verdadeiramente cavernosa. É pesada, rouca, arrastada, reverberante, aquele tipo de voz que pertence a alguém que não queremos encontrar no escuro. Por trás da sua voz está um tique taque nervoso, tenso. Este cenário vai até aos 2.37min, altura em que a bateria explode e nos lança de rompante para a segunda metade da canção, mais acelerada, mais... cavernosa.

A letra de Zeca Afonso, presta-se para esta prestação. Ela é uma dentada certeira em Oliveira Salazar uma espécie de rei Midas invertido, onde em vez de transformar tudo em ouro, um castigo pela sua ganância, onde tocasse, o toque de Salazar, pelo ditador que era, enegrecia, fazia murchar a vida, retirava a esperança.
Sendo, também, um cantor de intervenção, esta letra é um toque de génio  criatividade pelo qual Zeca Afonso era conhecido e reconhecido.
Os Mão Morta, através do seu líder, fazem inteira justiça. Mais, tornam melhor aquilo

Zeca Afonso morreu a 23 de Fevereiro de 1897. Na passada quinta-feira, fez exactamente trinta anos que morreu.


Bom fim de semana ☺




O avô cavernoso
Instituiu a chuva
Ratificou a demora
Persignou-se
Ninguém o chora agora
Perfumou-se
Vinte mil léguas de virgens vieram
Inúteis e despidas
Flores de malva
E a boina bem segura
Sobre a calva

Ao avô cavernoso quem viu a tonsura?
E a tenda dos milagres e a privada?
Na tenda que foi nítida conjura
As flores de malva murcham devagar
Devagar
Até que se ouvem gritos, matinadas

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