segunda-feira, 19 de setembro de 2016

um poema de... Ricardo Reis (nos 129 anos do seu nascimento)


Fernando Pessoa quando criou um dos seus heterónimos mais famosos, Ricardo Reis, atribuiu o seu nascimento a 19 de Setembro de 1887. Faria hoje 129 anos.

Dos fabulosos quatro - Alberto Caeiro, Álvaro de Campos, Ricardo Reis e Bernardo Soares - o poeta do bucolismo e da metafísica não pensada, Alberto Caeiro é de longe o que mais me preenche a alma, mas é no médico erudito e pagão Ricardo Reis que encontro a escrita mais elegante e serena.

Há uma curiosidade em Ricardo Reis. Fernando Pessoa, tal como Álvaro de Campos, não lhe atribuiu a data da sua morte.
José Saramago no seu livro, O Ano da Morte de Ricardo Reis, ficciona sobre este heterónimo.

O Nobel da Literatura de 1998, coloca no seu livro o heterónimo a sobreviver ao ortónimo. Ricardo Reis em Dezembro de 1935, visita o túmulo de Fernando Pessoa que morreu em 30 de Novembro de 1935.
É depois confrontado com o mundo real, através de diálogos e reflexões com o fantasma de Fernando Pessoa.
Quanto a Ricardo Reis morre, em 1936, o ano da sua morte a que o título se refere, quando este decide partir com o fantasma de Fernando Pessoa.


Se tivesse que escolher apenas um poema de Ricardo Reis seria, para além de qualquer dúvida: Vem sentar-te comigo, Lídia, à beira do rio.


Vem sentar-te comigo, Lídia, à beira do rio 

Vem sentar-te comigo, Lídia, à beira do rio.
Sossegadamente fitemos o seu curso e aprendamos
Que a vida passa, e não estamos de mãos enlaçadas.
(Enlacemos as mãos.)

Depois pensemos, crianças adultas, que a vida
Passa e não fica, nada deixa e nunca regressa,
Vai para um mar muito longe, para ao pé do Fado,
Mais longe que os deuses.

Desenlacemos as mãos, porque não vale a pena cansarmo-nos.
Quer gozemos, quer não gozemos, passamos como o rio.
Mais vale saber passar silenciosamente
E sem desassossegos grandes.

Sem amores, nem ódios, nem paixões que levantam a voz,
Nem invejas que dão movimento demais aos olhos,
Nem cuidados, porque se os tivesse o rio sempre correria,
E sempre iria ter ao mar.

Amemo-nos tranquilamente, pensando que podíamos,
Se quiséssemos, trocar beijos e abraços e carícias,
Mas que mais vale estarmos sentados ao pé um do outro
Ouvindo correr o rio e vendo-o.

Colhamos flores, pega tu nelas e deixa-as
No colo, e que o seu perfume suavize o momento —
Este momento em que sossegadamente não cremos em nada,
Pagãos inocentes da decadência.

Ao menos, se for sombra antes, lembrar-te-ás de mim depois
Sem que a minha lembrança te arda ou te fira ou te mova,
Porque nunca enlaçamos as mãos, nem nos beijamos
Nem fomos mais do que crianças.

E se antes do que eu levares o óbolo ao barqueiro sombrio,
Eu nada terei que sofrer ao lembrar-me de ti.
Ser-me-ás suave à memória lembrando-te assim — à beira-rio,
Pagã triste e com flores no regaço.


Ricardo Reis, in "Odes"



1 comentário:

  1. Tão belo! De uma beleza que "atormenta". Ah...os poetas...esses seres mágicos que fazem magia com as palavras!

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