segunda-feira, 13 de junho de 2016

Fernando Pessoa 128


Quando uma alma está decomposta em tantas, ela sente-se estranha. Estranha a ela própria.
E perdida em si. E enquanto se procura, mais se desorienta, mais errante se torna, desajustada, mais indecisa ela é. Menos pertence a ela, e muito menos é capaz de pertencer a outros.

E quanto mais a pressionam, mais exigem, mais perdida se torna, mais dorida, mais ferida, mais enraivecida se torna. E então, para longe, muito mais longe ela voa e menos hipóteses dá de querer voltar. Silêncio e lágrimas escondidas é o que lhe restam.
É uma estranha, numa terra estranha. 






Não sei quantas almas tenho

Não sei quantas almas tenho.
Cada momento mudei.
Continuamente me estranho.
Nunca me vi nem achei.
De tanto ser, só tenho alma.
Quem tem alma não tem calma.
Quem vê é só o que vê,
Quem sente não é quem é,

Atento ao que sou e vejo,
Torno-me eles e não eu.
Cada meu sonho ou desejo
É do que nasce e não meu.
Sou minha própria paisagem,
Assisto à minha passagem,
Diverso, móbil e só,
Não sei sentir-me onde estou.

Por isso, alheio, vou lendo
Como páginas, meu ser
O que segue não prevendo,
O que passou a esquecer.
Noto à margem do que li
O que julguei que senti.
Releio e digo: «Fui eu?»
Deus sabe, porque o escreveu.


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