terça-feira, 26 de abril de 2016

um poema de... Mário de Sá Carneiro (morra jovem quem os Deuses amam!)


Faz hoje cem anos que Mário de Sá Carneiro, suicidou-se. Tal como anunciou numa carta declarando previamente o seu suicídio ao seu amigo Fernando Pessoa, com uma libertadora e elevada dose de estricnina.

A sua ligação e amizade a Fernando Pessoa era grande e muito íntima, fazendo deste o seu grande confessor. Sentia-se mal com a vida, inadaptado a ela. Uma alma inquieta e dorida que fazia da poesia e da literatura uma casa de fundações precárias para albergar um peito atormentado e desajustado. Dentro dele germinava desde cedo a depressão e a melancolia.

Tinha apenas 25 anos quando se suicidou em Paris. Fez questão de ter uma testemunha no momento da sua morte, José Araújo.
O que escreveu neste tão curto espaço de tempo, marcou a literatura nacional para sempre, ajudando a nascer o modernismo português.
Era uma pessoa saudosista, metafisica, de escrita complexa, trágica e tendencialmente niilista - "Eu não sou eu".

Eu não sou eu nem sou o outro, 
Sou qualquer coisa de intermédio:
Pilar da ponte de tédio
Que vai de mim para o Outro.



Com Fernando Pessoa e Almada Negreiros foi um dos participantes da revista Orpheu, da qual seriam publicadas apenas dois números. O terceiro número apesar de escrito e ter a sua contribuição nunca chegou à tinta das máquinas tipográficas.

- Quem di diligunt adulescens moritur!.
Terão sido as suas famosas últimas palavras, fiel ao seu narcisismo que marcara a sua vida: - “Morra jovem quem os Deuses amam. !


Meu querido Amigo.

A menos de um milagre na próxima segunda-feira, 3 (ou mesmo na véspera), o seu Mário de Sá-Carneiro tomará uma forte dose de estricnina e desaparecerá deste mundo. É assim tal e qual – mas custa-me tanto a escrever esta carta pelo ridículo que sempre encontrei nas “cartas de despedida”... Não vale a pena lastimar-me, meu querido Fernando: afinal tenho o que quero: o que tanto sempre quis – e eu, em verdade, já não fazia nada por aqui... Já dera o que tinha a dar. 

Eu não me mato por coisa nenhuma: eu mato-me porque me coloquei pelas circunstâncias – ou melhor: fui colocado por elas, numa áurea temeridade – numa situação para a qual, a meus olhos, não há outra saída. Antes assim. É a única maneira de fazer o que devo fazer. Vivo há quinze dias uma vida como sempre sonhei: tive tudo durante eles: realizada a parte sexual, enfim, da minha obra – vivido o histerismo do seu ópio, as luas zebradas, os mosqueiros roxos da sua Ilusão. Podia ser feliz mais tempo, tudo me corre, psicologicamente, às mil maravilhas, mas não tenho dinheiro. […]


Mário de Sá-Carneiro, carta para Fernando Pessoa, 31 de Março de 1916.


Fim

Quando eu morrer batam em latas,
Rompam aos saltos e aos pinotes,
Façam estalar no ar chicotes,
Chamem palhaços e acrobatas!

Que o meu caixão vá sobre um burro
Ajaezado à andaluza...
A um morto nada se recusa,
Eu quero por força ir de burro. Fim
Quando eu morrer batam em latas,
Rompam aos saltos e aos pinotes,
Façam estalar no ar chicotes,
Chamem palhaços e acrobatas!

Que o meu caixão vá sobre um burro
Ajaezado à andaluza...
A um morto nada se recusa,
Eu quero por força ir de burro.

Mário de Sá Carneiro




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