quarta-feira, 29 de outubro de 2014

a persistência do erro convicto


Admiro profundamente quem consegue dizer a maior das asneiras imperturbavelmente e com a convicção de que a sua afirmação não é questionável.

Conheci recentemente uma senhora chamada, de uma maneira abreviada, MJ.
Entre amigos e em conversa solta e sem rumo pergunta-se como terá surgido e qual a explicação da expressão "resvés Campo de Ourique".

MJ que tinha peso e influência no grupo, afirmou rápida e peremptoriamente que a expressão se devia ao terramoto de Lisboa no dia 1 de Novembro de 1755 ter parado exactamente em Campo de Ourique.
Tentei explicar que um terramoto não pára numa linha. Vai gradualmente perdendo intensidade, espalhando-se como um lençol irregularmente esticado até que os seus efeitos deixam-se de fazer sentir ao longo de uma determinada área. Portanto bem longe de parar numa fronteira. Aqui há terramoto, um passo depois já não há.
Um coro de vozes levantou-se na defesa de MJ e da sua asneira.

Atrevi-me de novo a explicar que a expressão se deve ao maremoto que surgiu devido à elevada magnitude do sismo de 1755. As suas águas terão parado de subir já muito próximo de Campo de Ourique, surgindo assim a famosa expressão. Zero.
Acrescentei que ele terá sido a principal causa das quase cem mil vítimas que o sismo lisboeta terá provocado. Terá atingido e morto milhares de pessoas nos Açores, Algarve e localidades da Serra da Estrela como a Covilhã.
O efeito do maremoto foi igualmente sentido na Espanha, Irlanda e até no Senegal.
Zero de novo.

Gloriosamente e apoiada no grupo que a sustentava, MJ insistiu no seu erro e não valia a pena manter a minha explicação porque não estava correcta.
Desisti de facto. Implicitamente, para o grupo, a ignorância estava persistentemente do meu lado.


A afirmação de assertiva de um erro torna-o verdade aos olhos de quem a ouve. Assume contornos de verdade insofismável que não pode ser questionada. E usualmente até é. Porque quem tem o poder de influenciar quem está ao seu lado e se este não tem sentido crítico ou é desconhecedor do tema que o erro convicto aborda tende a acreditar sem questionar a sua veracidade.
Quem pretende contra-argumentar perde. É visto como alguém que só atrapalha, alguém que chateia como uma melga num quarto à noite que é enxotada com uma almofada. Um insolente que vai contra o peso da maioria que se deixou influenciar pela força da alegria do erro convicto.

O erro dito com a majestosidade da sapiência académica actua como uma nota de rodapé enganadora num livro para estudantes que a ele socorrem para um exame.
Tal como um terramoto, a asneira convicta tem um alcance longo e devastador - perpétua a ignorância tornando-a verdadeira.




1 comentário:

  1. Eu sei que sabes que tens razão, mas mesmo assim aqui vai o meu apoio. E a minha solidariedade para com a irritação que também me causam essas pessoas erradamente assertivas ;)

    ResponderEliminar