segunda-feira, 13 de junho de 2011

Pessoa 123


Dá vontade de parafrasear este dia com o spot do 5 Minutos de Jazz de José Duarte:

1...2...3, 123 anos de Fernando Pessoa!

Usualmente quando se trata de efemérides relacionadas com Fernando Pessoa, recorro a poemas de Ricardo Reis, o meu heterónimo preferido, ou então ao ortónimo, Fernando Pessoa.
Mas desta vez levo ao palco um poema de Álvaro de Campos que gosto muito - Apontamento.

Segundo a biografia que Fernando Pessoa lhe atribuiu, ele nasceu em Tavira a 15 de Outubro de 1890. É alto com cerca de 1.75m e estudou engenharia naval em Glasgow, Escócia.


Apontamento

A minha alma partiu-se como um vaso vazio.
Caiu pela escada excessivamente abaixo.
Caiu das mãos da criada descuidada.
Caiu, fez-se em mais pedaços do que havia loiça no vaso.

Asneira? Impossível? Sei lá!
Tenho mais sensações do que tinha quando me sentia eu.
Sou um espalhamento de cacos sobre um capacho por sacudir.

Fiz barulho na queda como um vaso que se partia.
Os deuses que há debruçam-se do parapeito da escada.
E fitam os cacos que a criada deles fez de mim.

Não se zanguem com ela.
São tolerantes com ela.
O que era eu um vaso vazio?

Olham os cacos absurdamente conscientes,
Mas conscientes de si mesmos, não conscientes deles.

Olham e sorriem.
Sorriem tolerantes à criada involuntária.
Alastra a grande escadaria atapetada de estrelas.
Um caco brilha, virado do exterior lustroso, entre os astros.
A minha obra? A minha alma principal? A minha vida?
Um caco.
E os deuses olham-o especialmente, pois não sabem por que ficou ali.


Álvaro de Campos 1929

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